terça-feira, 29 de outubro de 2013

A emergência da ubiquidade como novo princípio do direito administrativo





Raul José de Galaad Oliveira


O sentido clássico da ubiquidade

Em português ubiqüidade ou ubiquação designa o caráter ou estado de ubíquo; onipresença. Ubíquo, por sua vez, se constitui naquilo que está ao mesmo tempo em toda a parte. Em latim, o advérbio ubique (ubi, que) indica “por toda a parte, em qualquer lugar”.

Ubiqüidade tem sinonímia com onipresença. A onipresença ou ubiqüidade de Deus é questão clássica da teologia e indica um dos atributos essenciais de Deus. É um atributo “exclusivo de Deus através do qual pode Ele estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo”.

O termo ubiquismo é comumente usado para descrever o ensino da consubstanciação. É recorrente na religião luterana para se referir a doutrina segundo a qual a presença real do corpo e do sangue de Cristo nos elementos da Santa Ceia se explica por sua onipresença.

Ao longo da história, o Direito tem usado termos originados da religião, e vice-versa, para a compreensão cognitiva e técnica de temas comuns. Assim, p. ex., a exegese, a hermenêutica, a ética, a tanatologia, etc.

Não podemos deixar de reconhecer, todavia, que a ubiqüidade não se limita a religião e ao direito. Estudos têm sido empreendidos no sentido de comprovar o fenômeno da ubiqüidade em diferentes áreas. Entre esses, Pascal Strat advoga a ubiqüidade do poder – pois ele se difunde e se manifesta em todos os recônditos de nossa existência pessoal e social. Na França usa-se o termo ubiquité informatique com diferentes conotações.

A ubiqüidade no direito contemporâneo

Relativamente ao direito a ubiqüidade se manifesta em diferentes sub-ramos. O direito penal adota o princípio da ubiqüidade. O Código Penal brasileiro estabelece situações ampliadas em que a aplicação da lei nacional é exigível – garante-se, dessa maneira, através da ubiqüidade,  a máxima aplicação da norma brasileira.

Há ainda o preceito processual e constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Aí resta  confirmada  a ubiqüidade de jurisdição, pois na elaboração normativa, seja na edição de leis ou atos administrativos, o Poder Público não poderá ferir a indeclinabilidade da jurisdição.

No final do século XX e início do XXI nova reapropriação discursiva da ubiqüidade vem se elaborando a partir do viés ambiental. Aliás, no âmbito do direito ambiental, a ubiqüidade vem adquirindo novo contorno técnico-científico, superando a onipresença meramente territorial típica das apropriações feitas por outros sub-ramos do direito, para alçá-la a uma abrangência temática referente a questões fundamentais para a vida do ser humano: a proteção e preservação do meio ambiente.

A Agenda 21 insere a questão ambiental como essencial a todo planejamento, envolvendo os atores sociais na discussão e possibilitando a racionalidade ambiental.  Devem os Estados, sempre na elaboração de suas leis e políticas públicas nacionais observar se elas não contrariam a proteção ao meio ambiente; pelo contrário, eles devem efetivar todos os esforços para implementar políticas sociais que permitam o desenvolvimento do país sob uma ótica ambientalmente correta.

A ubiqüidade ambiental e o direito administrativo

O art. 225 da Constituição da República brasileira estabelece o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.

A imposição à coletividade e ao Poder Público do dever de defender e preservar o meio ambiente compreende a elaboração legislativa protetiva, mas não se esgota nela. Além da ação do Estado e do cidadão legisladores é indispensável a elaboração e implementação de políticas públicas ambientais. Deflui desse dever a necessidade de fiscalizar e de bem administrar os bens ambientais.

O Estado-administrador deverá desenvolver ação administrativa de defesa e preservação ambientais. Toda política pública estará sob o crivo da ubiqüidade ambiental. E todo o ato administrativo que enseje o comprometimento da defesa ou da preservação ambiental não poderá, em princípio, ser executado. Por outro lado, o evolver de políticas públicas arquitetadas discursivamente contribuirá ou não para a efetividade das normas ambientais já previstas no ordenamento. Ademais, a ação dos gestores do Estado, em intercurso comunicativo com a sociedade civil, poderá se constituir em supedâneo para a criação da normatividade ambiental, estimulando a modernização do sistema de defesa e proteção ambientais.

A ubiqüidade como princípio do direito administrativo

A extensão do princípio da ubiqüidade ao direito administrativo, não só em matéria ambiental, é mais que conveniente e oportuno, é ainda racional e logicamente necessária. Participa do esforço geral da academia em erigir e dotar o direito administrativo de novos princípios.

A ubiqüidade administrativa estará consubstanciada numa pauta mínima de valores e princípios inafastáveis, bem como em políticas públicas de relevância racional – possivelmente consolidadas em normas que servirão de padrão de ubiqüidade administrativa.

Assim, p. ex., uma política pública de acesso digital, sendo em lei considerada como sendo de relevância nacional deverá vincular todos entes políticos administrativos, para que verifiquem sempre e previamente se sua ação administrativa contribui para a inclusão social pretendida[x]. No caso de o ato sufragado causar dificuldade ou impedir o acesso digital a edição ou execução do ato não pode ser encetada.

Conclusão

No decorrer desse trabalho pudemos verificar que a ubiqüidade já era sustentada a muito tempo em outras áreas do conhecimento (principalmente religioso).

No direito tem incidência no direito penal, processual etc. Nas últimas décadas tem sido postulado como princípio do direito ambiental.

A ubiqüidade ambiental em relação à administração pública deve sempre ser observada.
A ubiqüidade administrativa referente a uma pauta de princípios e políticas públicas de relevância são racionalmente viáveis para um país em processo de ascensão social e tão desejoso de resolver as grandes questões que tanto angustiam seu povo.

Informações Sobre o Autor

Raul José de Galaad Oliveira
Doutor em Direito pela UFMG, 2000. Professor de Direito Administrativo, Direito Ambiental e Coordenador do Mestrado em Direito Ambiental e Políticas Públicas da Universidade Feral do Amapá