segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Da legalidade da participação das sociedades cooperativas em licitações

 

Para o Tribunal de Contas de Minas Gerais é legal a participação das sociedades cooperativas em licitações, especialmente a partir da alteração do inciso I do §1º do artigo 3º pela Lei 8.666/93 pela Lei 12.349/10, desde que se observe a compatibilidade do objeto social da cooperativa com o item a ser licitado. Esse foi o parecer, da lavra do Cons. Cláudio Couto Terrão, exarado pelo TCE-MG em resposta a consulta. 
 Fonte: www.tce.mg.gov.br
O relator ponderou que, embora a questão pareça simples, a participação de cooperativas em certames licitatórios é matéria polêmica, tendo suscitado debates no âmbito do Direito Administrativo e nos tribunais. 

O relator aduziu que, a princípio, o entendimento do TCE-MG era pela impossibilidade de participação das cooperativas nas licitações, citando várias Consultas, dentre elas a de n. 249.384, sob a alegação de ofensa ao princípio da igualdade, pelo fato de as cooperativas não estarem obrigadas a recolher tributos, acarretando injusta vantagem em
"É vedada a participação de cooperativas em licitação quando, pela natureza do serviço ou pelo modo como é usualmente executado no mercado em geral, houver necessidade de subordinação jurídica entre o obreiro e o contratado, bem como de pessoalidade e habitualidade”. 
relação a outras espécies societárias. 

Salientou não partilhar de tal entendimento, considerando afronta ao princípio da igualdade, em sua acepção material, a não permissão de as cooperativas regularmente constituídas participarem de certames licitatórios, ao argumento de que tais sociedades são instituições privilegiadas. Mencionando Gina Copola, afirmou que 

“tratar desigualmente S/As, S/C e Cooperativas é imprescindível, na medida em que essas sociedades são inteiramente desiguais em sua natureza, seus institutos e seus propósitos”. 

Assinalou ter o Código Civil tratado das sociedades cooperativas, ressalvando a legislação especial consagrada na Lei 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico dessas sociedades, as quais possuem natureza civil, podendo adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade. 

Registrou que se o objeto da licitação encontra-se adequado ao objeto social da cooperativa e elademonstra ter condições de atender às exigências da Lei 8.666/93, bem comoaos requisitos do instrumento convocatório, a vedação à sua participação configura restrição ao caráter competitivo do certame, comportamento vedadopelo inciso I do §1° do art. 3° da Lei 8.666/93, mesmo antes das alterações trazidas pela Lei 12.349/10. Especificamente quanto à participação de cooperativas em pregões, o relator apresentou manifestação favorável do TCU e doTJMG. No âmbito do TCEMG, o relator afirmou que, em 2004, registrou-se o primeiro julgado dissidente à proibição anteriormente estabelecida, e, posteriormente, em deliberações datadas de 2006 e 2007, foi admitida a participação de cooperativas em certames licitatórios (Consultas n. 711.021 e 716.563).

Explicou que duas peculiaridades quanto às sociedades cooperativastêm interessado aos doutrinadores e aplicadores do direito no que tange à sua participação em licitações: a desigualdade dos tributos em relação às demais sociedades comerciais e a repercussão das questões trabalhistas. Quanto à questão tributária, constatou duas correntes opostas. 

Observou, por um lado, a existência da corrente defendendo “que as cooperativas não poderiam disputar com as empresas comerciais incorporando privilégios fiscais”.

Em sentidocontrário, afirmou que a doutrina majoritária manifesta-se favoravelmente à participação das cooperativas em licitações, sem qualquer equalização tributária em relação às demais sociedades comerciais, em razão do estímulo constitucional concedido ao cooperativismo. 

No que concerne à questão trabalhista, aduziu ser o cerne da questão o possível desvirtuamento da função da cooperativa. Sob esse prisma, as manifestações do TCU repudiam as contratações intermediadas, sob a justificativa de que, se o objeto exige a existência de subordinação do trabalhador ao contratado, não há possibilidade dessa atividade ser desenvolvida por meio de cooperativa, pois uma das características deste instituto é justamente a ausência de subordinação entre os cooperados. 

Ressaltou a edição do Enunciado de Súmula 281 doTCU, segundo o qual “

"É vedada a participação de cooperativas em licitação quando, pela natureza do serviço ou pelo modo como é usualmente executado no mercado em geral, houver necessidade de subordinação jurídica entre o obreiro e o contratado, bem como de pessoalidade e habitualidade”. 

Salientou ser pacífica a jurisprudência do TCU pela inadmissibilidade da terceirização de serviços concernentes à área finalística dos órgãos e entidades da Administração, mediante a contratação de sociedades comerciais ou cooperativas. Postas essas considerações, ao analisar a nova redação do art. 3º da Lei 8.666/93, conferida pela Lei 12.349/10, o relator constatou não ter havido alteração da norma, mas simples acréscimo da expressão “inclusive nos casos de sociedades cooperativas”. 

Considerou restarem assegurados às cooperativas os mesmos princípios básicos já consignados no caput do art. 3° da Lei 8.666/93 – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, probidade administrativa – e, em especial, o princípio da igualdade, sem necessidade de qualquer destaque a essa ou àquela forma societária. Asseverou ter sido o debate acerca da possibilidade ou não da participação de cooperativas em licitações a justificativa da nova redação, ponderando bastar uma leitura daLei 8.666/93 para seconstatar a inexistência de óbice à participação das sociedades cooperativas, mesmo antes da Lei 12.349/10. Concluiu que a nova redação expressa o tratamento igualitário que deve ser conferido às cooperativas, impedindo equívocos na aplicação da lei. Assentou não ser razoável que o estímulo constitucional atribuído às sociedades comerciais sirvade empecilho para sua atuação junto à Administração, mediante participação em certames licitatórios. Reafirmou não se afigurar justo que o instrumento convocatório contenha cláusula com o propósito de equalizar as diferentes obrigações fiscaisentre as sociedades cooperativas e as demais, restando prejudicado seus privilégios fiscais, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia, que justifica o tratamento diferenciado dispensado às cooperativas. O parecer foi aprovado por unanimidade (Consulta n. 841.941, Rel. Cons. Cláudio Couto Terrão, 22.08.12).


Fonte: www.tce.mg.gov.br

domingo, 19 de agosto de 2012

Câmara procura adequar a legislação e multas antigas


Câmara procura adequar a legislação e multas antigas

Divinópolis | Sexta-feira, 17 de agosto de 2012 - 15h 53
Por: Carla Mariela
Carla Mariela
Em entrevista a Gazeta do Oeste, concedida ontem à tarde, na sala da Secretaria Geral da Câmara Municipal, o advogado e técnico legislativo, Vander Lúcio Gomes Penha, esclareceu se a Câmara pode atualizar leis antigas e consideradas ineficazes e como são realizadas as adequações das leis que não são aprovadas ou criadas na Casa Legislativa.


De acordo com Vander Lúcio, quando a lei não é elaborada na Câmara Municipal, cabe à Casa Legislativa, acompanhar a atualização da legislação municipal todas as vezes que afetam ou alteram os direitos municipais. “Com relação a essas leis que se tornam ineficazes, e sem aplicabilidade, a Câmara pode inclusive revogar a lei ou colocá-la de acordo com a realidade para que ela funcione, ou seja, atualizar a legislação. Ela pode fazer isso, por exemplo, por meio da consolidação de leis que é um trabalho que cabe a Câmara fazer, onde ela agrupa todas as leis que dizem respeito a um determinado tema e faz um trabalho justamente nesse sentido de atualizar aquela legislação, tirar aquilo que se tornou desnecessário, aquilo que ficou em desacordo com a Constituição Federal ou que foi declarado inconstitucional, tirar aquilo que não tem aplicabilidade e fazer uma lei mais enxuta, uma lei mais objetiva, com mais possibilidade de ser colocada em prática”, ressaltou.

Ao ser questionado como são feitas as atualizações dos valores aplicáveis em multas, principalmente em leis antigas, Vander Lúcio, respondeu que esses valores, aqueles que não são fixados em UFMD, que é a Unidade Fiscal do Município de Divinópolis, esse valor já é atualizado anualmente de acordo com variações dos índices que são utilizados para fixar o valor de cada UFMD. “Esses valores eram atualizados de acordo com o índice de correção, então com relação à multa, a lei não fica defasada porque sempre são aplicados índices de correções tributárias de atualização dos valores”, explicou.

Em relação a outras leis cujas multas não acompanharam a evolução financeira do país, ele afirmou que a lei que estabelece essa penalidade ou multa, ela necessita de uma fiscalização para ser executada. “É preciso da fiscalização, mas nem todas as leis são planejadas da forma correta antes de serem elaboradas, então o que ocorre no Município é que alguma legislação que tenta punir certa atividade de interesse municipal e estabelece como sanção uma multa, ela pode deixar de ser aplicada por não ser fiscalizada. Essas leis é que se tornam sem aplicabilidade e fica aquela multa que nunca chegou a ser executada, mais pela ineficiência do texto legal que não levou em conta certas condições sociais do Município, não levou em conta a viabilidade ou não daquela legislação municipal porque qualquer multa por mais antiga que seja a lei, existe a possibilidade, se ela for aplicada ou fiscalizada, se colocada em prática, porque ela é atualizada de acordo com os índices de correções”, finalizou

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Proibida a prática do chamado "Prefeito Itinerante"


Ministro aplica entendimento do Plenário sobre "prefeito itinerante"
Ao analisar um Recurso Extraordinário (RE 637647) interposto por João Félix de Andrade Filho, que pede para voltar ao cargo de prefeito de Campo Maior (PI), o ministro Cezar Peluso aplicou entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao chamado “prefeito itinerante”, conhecido como aquele que exerce mais de dois mandatos consecutivos sendo eleito em municípios distintos.
Na sessão do dia 1º de agosto deste ano, os ministros do Supremo decidiram (no julgamento do RE 637485) que cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos de prefeito, ou seja, foi eleito e reeleito, fica inelegível para um terceiro mandato, ainda que seja em município diferente. Na ocasião, o Plenário considerou que a questão tem repercussão geral e, por essa razão, o ministro Cezar Peluso aplicou o entendimento em decisão monocrática. Ainda de acordo com a decisão do Plenário, esse entendimento deve ser aplicado a partir das eleições de 2012 e, portanto, não poderia retroagir para alcançar o mandato de quem foi eleito dessa forma nas últimas eleições municipais.
No caso de João Félix, ele foi eleito em 1997 pelo Município de Jatobá do Piauí (PI) e reeleito em 2001. Em 2003, ele renunciou ao cargo e mudou seu domicílio eleitoral para Campo Maior (PI), cidade vizinha, e se elegeu prefeito deste município em 2004, sendo reeleito em 2008. João Félix recorreu ao STF sob o argumento de que à época de sua eleição tal medida era permitida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que mudou sua jurisprudência após a realização das eleições de 2008.
Em sua decisão, o ministro Peluso cita que o Plenário do STF reconheceu que a alteração da jurisprudência do TSE não poderia ser aplicada às eleições de 2008. Portanto, o ministro deu provimento ao recurso de João Félix para reverter a decisão que havia julgado procedente recurso contra a expedição de seu diploma eleitoral.
O ministro Peluso determinou ainda que o TSE e o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí sejam comunicados com urgência dessa decisão.
Fonte: www.stf.gov.br

segunda-feira, 9 de julho de 2012

DAS OUTRAS FUNÇÕES LEGISLATIVAS DOS VEREADORES

Vander Lúcio Gomes Penha

O Poder Legislativo, exercido nas Câmaras Municipais pelos Vereadores, tem a função precípua de legislar, como é do conhecimento geral, e ao fazê-lo os Vereadores devem se preocupar com o interesse público e com a qualidade das matérias que forem apreciar e votar, de modo que sejam aprovadas leis com condições efetivas de melhorar a realidade social do Município, organizar o funcionamento dos serviços públicos de modo democrático e dentro do princípio constitucional da igualdade.

Contudo, não pode o Vereador se escusar de desempenhar outras atribuições inerentes ao cargo, as quais integram o rol de deveres desses agentes políticos e visam garantir que a Administração Pública seja respeitada e colocada em benefício da população. 

Vejamos algumas:

1) Fiscalizar os atos do Poder Executivo: cabe à Câmara Municipal, com auxílio do Tribunal de Contas,  fiscalizar os aspectos financeiros e orçamentários, bem como acompanhar a evolução do patrimônio público.

2) Integrar as Comissões Permanentes: não pode o Vereador se recusar a compor Comissões, e nas Comissões o Vereador deve realizar estudos, emitir pareceres, estudar os projetos que são apresentados, antecipando ao Plenário eventuais vícios que as matérias possam conter;


3) Apurar denúncias: apurar as denúncias que cheguem à Câmara, dando uma satisfação à população dos fatos apurados. Essa ação pode ser realizada pelo Vereador de forma individual, pelas Comissões Especiais e Comissões Parlamentares de Inquérito;

4) Julgar as contas do Prefeito: quem julga as contas do Poder Executivo é a Câmara, tal julgamento tem implicação política, podendo culminar em caso de rejeição na perda do mandato do Prefeito. O Tribunal de Contas analisa a prestação de contas do Município e envia parecer prévio para os Vereadores emitirem seus votos, aprovando ou rejeitando aquilo que foi apresentado. 




Certas atividades legislativas podem ser tão importantes quanto à apresentação e apreciação de leis, ou em alguns casos, produzirem um efeito mais prático junto ao Município, se comparadas a certos textos legais aprovados e que nunca se tornam realidade. 

O interesse público deve nortear todas as ações dos parlamentares, não é apenas no momento da reunião em plenário que o Poder Legislativo é exercido, por isso os candidatos ao cargo de Vereador devem ter a exata noção de todo o trabalho que terão que realizar por exigência constitucional, garantindo a independência e harmonia entre os Poderes. 

domingo, 1 de julho de 2012

O STF e a constitucionalidade da Ficha Limpa


O Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão plenária de 16/2/2012, concluiu o julgamento conjunto da ADC 29, ADC 30 e ADI 4578, declarando, por maioria, a constitucionalidade das novas causas de inelegibilidade estabelecidas pela Lei Complementar 135/2010, a denominada Lei da Ficha Limpa. O constitucionalista Rodrigo Lago analisou a história, os bastidores e a repercussão desse julgamento no artigo Fim da novela: Ficha Limpa é constitucional.

Na última sexta-feira, 29/6, o STF publicou os acórdãos. Os votos, inclusive dos ministros que ficaram vencidos, servirão para fundamentar as ações de impugnação aos pedidos de registro de candidatura referentes às eleições de 2012. As três ações de controle concentrado possuem a mesma ementa, sendo os acórdãos da ADC 30 e ADI 4578 idênticos em tamanho, ambos com 375 páginas, enquanto o da ADC 29 é um pouco maior, com 383 páginas.

Uma curiosidade deve ser ressaltada: os acórdãos não trouxeram o voto ou os apartes do ministro Celso de Mello – em seu lugar aparece apenas a palavra “cancelado”. Essa omissão, de certo modo, prejudica a compreensão minuciosa do julgamento, seja no que concerne aos debates ou no que diz respeito aos fundamentos e à exata extensão do voto proferido pelo decano do STF, que julgou improcedente a ADC 29 e parcialmente procedentes a ADC 30 e a ADI 4578.

Clique nas ações para ler a íntegra dos acórdãos da ADC 29, ADC 30 e ADI 4578. E confira a ementa comum às três causas:

AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.

1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito).

2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.

3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.

4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 não viola o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral.

5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.

6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.

7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.

8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.

9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal.

10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 53, § 6º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé.

11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.

12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado.

13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.

14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. Gilmar Mendes (repercussão geral).

(ADC 30, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012)

O STF E A CONSTITUCIONALIDADE DA FICHA LIMPA

 

Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão plenária de 16/2/2012, concluiu o julgamento conjunto da ADC 29, ADC 30 e ADI 4578, declarando, por maioria, a constitucionalidade das novas causas de inelegibilidade estabelecidas pela Lei Complementar 135/2010, a denominada Lei da Ficha Limpa. O constitucionalista Rodrigo Lago analisou a história, os bastidores e a repercussão desse julgamento no artigo Fim da novela: Ficha Limpa é constitucional.

Na última sexta-feira, 29/6, o STF publicou os acórdãos. Os votos, inclusive dos ministros que ficaram vencidos, servirão para fundamentar as ações de impugnação aos pedidos de registro de candidatura referentes às eleições de 2012. As três ações de controle concentrado possuem a mesma ementa, sendo os acórdãos da ADC 30 e ADI 4578 idênticos em tamanho, ambos com 375 páginas, enquanto o da ADC 29 é um pouco maior, com 383 páginas.

Uma curiosidade deve ser ressaltada: os acórdãos não trouxeram o voto ou os apartes do ministro Celso de Mello – em seu lugar aparece apenas a palavra “cancelado”. Essa omissão, de certo modo, prejudica a compreensão minuciosa do julgamento, seja no que concerne aos debates ou no que diz respeito aos fundamentos e à exata extensão do voto proferido pelo decano do STF, que julgou improcedente a ADC 29 e parcialmente procedentes a ADC 30 e a ADI 4578.
Clique nas ações para ler a íntegra dos acórdãos da ADC 29, ADC 30 e ADI 4578. E confira a ementa comum às três causas:

AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.

1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito).

2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.

3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal.

4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 não viola o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral.

5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.

6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.

7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.

8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.

9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal.

10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 53, § 6º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé.

11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.

12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado.

13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.

14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. Gilmar Mendes (repercussão geral).
(ADC 30, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012)