quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

ENTENDA O PROJETO DE LEI QUE DERRUBA A META FISCAL

Fonte: G1

Se aprovada, proposta autoriza governo a abandonar superávit primário. Resultado positivo serve para pagar os juros da dívida pública brasileira.


Com as contas no vermelho, o governo tenta aprovar no Congresso uma lei, para não descumprir uma meta estabelecida por ele mesmo no final de 2013. A matéria é considerada prioritária para o governo, mas enfrenta resistência da oposição.

Pela legislação, o governo é obrigado a fazer uma poupança para pagar os juros da dívida pública – o superávit primário – e assim cumprir a chamada meta fiscal.

Mas de janeiro a setembro deste ano, o governo central – União, estados, municípios e estatais – acumulou um rombo de R$ 15,3 bilhões, o primeiro da série histórica do Banco Central (BC). Até o final do ano, no entanto, deveriam sobrar, pela meta do governo, pelo menos R$ 116,1 bilhões, equivalentes a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

A sessão que vai votar o projeto foi adiada na última quarta-feira pelo presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), por falta de quorum. Ele chegou a abrir sessão para apreciar o texto, mas encerrou os trabalhos em seguida.

O que a lei estabelece

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelece o valor mínimo de R$ 116,1 bilhões de superávit primário.

A regra atual permite "descontar" desse valor até R$ 67 bilhões referentes ao Programa de Aceleracao do Crescimento (PAC). Ou seja, até R$ 67 bilhões que o governo gastar no ano com o programa seriam tirados da conta – reduzindo a economia a R$ 49,1 bilhões.

O que muda com o projeto de lei 36/2014?

O projeto de lei enviado ao Congresso não muda oficialmente a meta de superávit, mas altera esse "desconto" determinado na LDO. Pela proposta, será possível abater dos R$ 116,1 bilhões o total de gastos do Programa de Aceleracao do Crescimento (PAC) e de desonerações de tributos aplicadas em diversos setores.

Como estas despesas já somam R$ 127 bilhões de janeiro a outubro (e tendem a aumentar até o fim do ano), o governo teria margem para abater toda a meta e fechar o ano sem descumprir a lei – mesmo se o déficit primário se confirmar. Em outras palavras, a meta deixa de existir.

O que acontece se o Congresso não aprovar o projeto?

Caso a proposta do governo seja rejeitada pelo Legislativo, o governo descumprirá a meta fiscal deste ano, e poderá não cumprir o pagamento dos juros de sua dívida pública, que em outubro estava em R$ 2,1 trilhões. Sem o pagamento, o governo passa a ter dificuldade em reduzir sua dívida, que tende a aumentar.

Mas um relatório de despesas e receitas do Ministério do Planejamento prevê que será possível abater R$ 106 bilhões dos R$ 116 bilhões da meta, em razão de um esperado superávit primário de R$ 10,1 bilhões que o governo promete.
A não aprovação do projeto de lei também pode ter outras consequências. Em meados deste mês, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, afirmou que se o Congresso não der seu aval, o governo irá cumprir o estabelecido na LDO.

"Suspende as desonerações, corta os investimentos, para as obras e para uma parte da economia. Nós vamos ter mais desemprego e ficará na responsabilidade de quem tiver essa atitude", disse ele em entrevista à GloboNews.

Líderes da oposição, por sua vez, afirmam que a presidente Dilma cometeria crime de responsabilidade fiscal ao não cumprir o que determina a LDO.
"Existem sanções para quem não cumpre o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal e, nesta questão específica, a Lei Orçamentária no que diz respeito ao superávit", afirmou o senador Aécio Neves.
Fonte: G1.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

DAS OUTRAS FUNÇÕES LEGISLATIVAS DOS VEREADORES



Por Vander Lúcio Gomes Penha

O Poder Legislativo, exercido nas Câmaras Municipais pelos Vereadores, tem a função precípua de legislar, como é do conhecimento geral, e ao fazê-lo os Vereadores devem se preocupar com o interesse público e com a qualidade das matérias que forem apreciar e votar, de modo que sejam aprovadas leis com condições efetivas de melhorar a realidade social do Município, organizar o funcionamento dos serviços públicos de modo democrático e dentro do princípio constitucional da igualdade.


Contudo, não pode o Vereador se escusar de desempenhar outras atribuições inerentes ao cargo, as quais integram o rol de deveres desses agentes políticos e visam garantir que a Administração Pública seja respeitada e colocada em benefício da população. 

Vejamos algumas:

1) Fiscalizar os atos do Poder Executivo: cabe à Câmara Municipal, com auxílio do Tribunal de Contas,  fiscalizar os aspectos financeiros e orçamentários, bem como acompanhar a evolução do patrimônio público.

2) Integrar as Comissões Permanentes: não pode o Vereador se recusar a compor Comissões, e nas Comissões o Vereador deve realizar estudos, emitir pareceres, estudar os projetos que são apresentados, antecipando ao Plenário eventuais vícios que as matérias possam conter;


3) Apurar denúncias: apurar as denúncias que cheguem à Câmara, dando uma satisfação à população dos fatos apurados. Essa ação pode ser realizada pelo Vereador de forma individual, pelas Comissões Especiais e Comissões Parlamentares de Inquérito;

4) Julgar as contas do Prefeito: quem julga as contas do Poder Executivo é a Câmara, tal julgamento tem implicação política, podendo culminar em caso de rejeição na perda do mandato do Prefeito. O Tribunal de Contas analisa a prestação de contas do Município e envia parecer prévio para os Vereadores emitirem seus votos, aprovando ou rejeitando aquilo que foi apresentado. 




Certas atividades legislativas podem ser tão importantes quanto à apresentação e apreciação de leis, ou em alguns casos, produzirem um efeito mais prático junto ao Município, se comparadas a certos textos legais aprovados e que nunca se tornam realidade. 

O interesse público deve nortear todas as ações dos parlamentares, não é apenas no momento da reunião em plenário que o Poder Legislativo é exercido, por isso os candidatos ao cargo de Vereador devem ter a exata noção de todo o trabalho que terão que realizar por exigência constitucional, garantindo a independência e harmonia entre os Poderes.

A responsabilidade dos órgãos públicos pelos furtos em seus estacionamentos

Por Marcus Seixas Souza e Ermiro Ferreira Neto.

Não é trivial a questão referente à responsabilidade dos órgãos estatais pelos furtos ou danos causados a veículos nos estacionamentos disponibilizados ao público.

A análise deste problema passa pela determinação da natureza jurídica da disponibilização de estacionamento aos particulares: trata-se de contrato de depósito ou de um mero ato precário? Este ensaio foi fruto de uma rápida discussão, ainda inacabada, sobre o tema.
Sendo esta uma situação muito comum na esfera do Direito privado, uma investigação neste campo do Direito poderá fornecer um ponto de partida para a pesquisa do tratamento jurídico deste problema no campo do Direito administrativo.

1. O problema no Direito privado: as empresas e os estacionamentos oferecidos aos clientes

Cotidianamente furtos em estacionamentos oferecidos gratuitamente ou mediante remuneração por instituições privadas motivam o ajuizamento de ações indenizatórias pelos consumidores.

O Superior Tribunal de Justiça, tendo enfrentado recursos referentes a esta tese inúmeras vezes, contribuiu para a construção jurisprudencial de balizas e marcos normativos para o reconhecimento do dever de indenizar das empresas.
O STJ publicou, por exemplo, o enunciado nº. 130 da súmula de sua jurisprudência, indicando que “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.
Da fundamentação dos precedentes que deram origem ao referido enunciado é possível extrair as seguintes premissas: 

i) constitui-se contrato de depósito entre cliente e estabelecimento na hipótese de guarda de veículo; 

ii) perecendo o bem, há culpa in vigilando, o que atrai o dever de indenizar por parte do estabelecimento e, em julgados mais recentes, pondera-se ainda que
iii) por aplicação da teoria do risco, a responsabilidade do estabelecimento seria objetiva, o que excluiria até mesmo a necessidade de comprovação de culpa pelo dano causado (a perda do bem).

Considerando tais fundamentos, o STJ vem decidindo que o furto e/ou roubo de veículos ocorridos em garagens comerciais não são hipóteses de caso fortuito excludentes de responsabilidade civil pelo evento.
No entender da Corte, estes episódios são corriqueiros, razão pela qual os clientes optam por utilizar-se destes estacionamentos em virtude da oferta de vigilância e segurança. 

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que o roubo ou furto de veículo sob responsabilidade de garagista demonstram, no mínimo, que houve a prestação deficiente do serviço no estacionamento, ou que ele não agiu com a diligência necessária para impedir a atuação criminosa (cf., por exemplo, REsp 976.531/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/2/2010).

É interessante observar que não obstante alguns precedentes que deram origem ao enunciado da súmula da jurisprudência do STJ tivessem responsabilizado a empresa subjetivamente, a redação do enunciado parece ter “objetivado” esta responsabilização, e assim tem decidido os juízes e tribunais: como se a responsabilidade fosse objetiva esta interpretação favorece, inclusive, a compatibilidade do enunciado com os termos dos arts. e 14 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece responsabilidade objetiva nas relações de consumo.

Recentemente, realizou-se um importante distinção na Corte. No julgamento do REsp 1.321.739-SP, o STJ afastou a incidência do enunciado nº 130 de sua súmula em um caso de sinistro ocorrido na prestação de serviços de valet parking (serviços de manobrista), com o argumento principal de que não houve entre cliente e estabelecimento o contrato de depósito sempre referido nos precedentes do mencionado enunciado da súmula de jurisprudência do STJ. 

Decidiu-se que na situação em análise inexistia exploração de estacionamento cercado com grades, mas simples comodidade posta à disposição do cliente, e que as exigências de garantia da segurança física e patrimonial do consumidor são menos contundentes do que aquelas atinentes aos estacionamentos de shopping centers e hipermercados, pois, diferentemente destes casos, trata-se de serviço prestado na via pública.

Firmou-se a premissa de que, no serviço de manobristas de rua, as hipóteses de roubo constituem, em princípio, fato exclusivo de terceiro, não havendo prova da concorrência do fornecedor, mediante defeito na prestação do serviço, para o evento danoso. Por esse motivo, o roubo poderia ser considerado fato de terceiro e, nestes termos, excluir a responsabilidade pelo fato de serviço (art. 14, § 3º, II, do CDC), o que não seria possível nos casos das garagens comerciais ou nos estabelecimentos comerciais comuns.

2. O problema no Direito administrativo: os órgãos públicos e os estacionamentos oferecidos aos servidores e ao público externo

O problema da responsabilidade dos órgãos públicos pelos furtos ocorridos nos estacionamentos por eles disponibilizados também já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, e a este problema parece ter conferido um tratamento, em alguns aspectos, semelhante.

Em se tratando de dano causado por omissão, não seria caso de se cogitar de responsabilidade objetiva, e sim subjetiva do Estado.

O STJ apreciou diversos recursos especiais fundados na divergência dos acórdãos proferidos nos Tribunais Regionais Federais, que não conseguiram assentar jurisprudência sobre o tema, ora reconhecendo a existência de um contrato de depósito, ora se negando a reconhecer a responsabilidade do Estado pelos danos causados aos proprietários dos veículos.

Nos casos em que os cinco TRF’s decidiram pela inexistência de responsabilidade dos órgãos públicos pelos furtos causados a veículos parados em seus estacionamentos, vários argumentos foram empregados: 

i) o fato de que a Administração não exige remuneração para permitir a guarda dos veículos;
ii) a Administração alerta não ter dever de cuidado com os carros estacionados;
iii) eventuais vigilantes terceirizados promovem apenas a segurança patrimonial de bens e valores do órgão público, não o patrimônio dos particulares;
iv) o simples controle da identificação dos usuários do estacionamento não implicaria realização de contrato de depósito;
v) como aos atos omissivos da Administração se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva, e por supostamente não haver dever de cuidado, não haveria culpa. 

O argumento segundo o qual os órgãos públicos não exigem remuneração como contraprestação pela utilização dos estacionamentos não serve para desvirtuar o caráter contratual do ato ou o dever de cuidado dele decorrente, uma vez que o depósito é, em regra, gratuito, unilateral e se aperfeiçoa com a entrega da coisa.

Por outro lado, mesmo que o órgão público divulgue placas ou cartazes alertando o público que não responderá pelos furtos ou danos ocorridos no estacionamento, esta conduta não será suficiente para eximir-lhe a responsabilidade pela ocorrência destes eventos, pois o dever de cuidado é uma obrigação legal decorrente do depósito, não podendo ser afastado pelo poder negocial das partes, muito menos unilateralmente.

No que se refere à inexistência de dever de cuidado pelos vigilantes contratados pelos órgãos públicos em relação ao patrimônio privado, é inegável que a vigilância contratada pelos órgãos públicos aumenta a segurança nos estacionamentos oferecidos e, consequentemente, cria expectativas de segurança e dever de cuidado por parte dos particulares.

É comum, ainda, que os órgãos públicos instalem medidas protetivas, como grades (eventualmente munidas de offendiculas), cancelas, câmeras de segurança, portões eletrônicos, etc. Não é rara a designação de parte do estacionamento para estacionamento exclusivo de servidores (e/ou professores, no caso das Universidades públicas). Considerando a adoção destas medidas de controle e segurança, parece ser evidente a expectativa de cuidado pela Administração Pública em relação aos carros estacionados.

Rui Stoco defendeu esta tese: quando a Administração mantém guarita e vigilância feita por servidor ou empresa contratada, não se pode negar que o “serviço falhou”, que ocorreu faute du service ou culpa in vigilando. Nestes casos, a Administração pública assume o dever de zelar pelo bem que lhe foi entregue, colocando-se em condição contratual similar à do depositário, obrigado por lei a ter a guarda e a conservação da coisa depositada, com o cuidado e diligência que costuma ter com o que lhe pertence, na forma do art. 629 do Código Civil (STOCO, 2004, p. 1094).

Em um importante precedente, o Supremo Tribunal Federal equiparou o oferecimento pelo Poder Público de estacionamentos aos administrados a um pacto de depósito, ressaltando que o dever de indenizar do Estado não surge em razão do art. 37, § 6º da Constituição Federal (que trata da responsabilidade objetiva do Estado), mas em razão de descumprimento de uma obrigação contratual – que se funda, portanto, na responsabilidade subjetiva (cf. RE 255.731-5/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 09/11/1999).

Interpretando o precedente do STJ, o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que o poder público somente estaria obrigado a se responsabilizar pelos danos causados aos particulares, nos estacionamentos por ele disponibilizados, na hipótese de existência de vigilância especializada, destinada a garantir a segurança patrimonial dos veículos ali estacionados (cf., por exemplo, REsp 858772/SP, rel. Min. Carlos Mathias, Juiz Convocado do TRF, julgado em 10/06/2008; REsp 438870/DF, rel. Min. Castro Meira, julgado em 12/04/2005; REsp 615282/PR, rel. Min. Castro Meira, julgado em 06/04/2004; REsp 1081532/SC rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/03/2009).

De acordo com este entendimento, para a configuração de responsabilidade do órgão público pelo furto ou dano causado a carro parado em estacionamento por ele ofertado, seria necessário verificar circunstâncias fáticas que comprovassem a vigilância do mencionado estacionamento pela Administração (alguns indícios seriam, por exemplo, a presença de cancelas, vigias fardados nas saídas dos estacionamentos, câmaras, muros, controle de entrada e saída, etc.). 

Assim, a responsabilidade do Estado em caso de furto de carro ocorrido em estacionamento disponibilizado pelo poder público se funda na responsabilização subjetiva e na teoria da faute du service, embora a jurisprudência afaste a responsabilidade estatal caso o ente público não disponibilize segurança específica para o estacionamento.

A responsabilização do Estado pelos furtos ocorridos nos estacionamentos dos órgãos públicos tem, portanto, contornos distintos da situação ocorrida no âmbito privado, embora se aproxime daquela em alguns aspectos. Resta investigar se é possível sistematizar o tratamento dado a este problema no âmbito privado ou no âmbito administrativo.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

CONSTITUCIONALISMO DO FUTURO







Se o constitucionalismo tem sido marcado pela limitação do poder, opondo-se ao governo arbitrário, o seu conteúdo mostra-se variável, desde as suas origens.
Uma nova era histórico-constitucional surge no alvorecer do século XXI, com a perspectiva de que ao constitucionalismo social seja incorporado o constitucionalismo fraternal e de solidariedade.

Consoante assinala Dromi, o futuro do constitucionalismo deve “estar influenciado até identificar-se com a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuidade, a participação, a integração e a universalização”, alcançando um ponto de equilíbrio as concepções extraídas do constitucionalismo moderno e os excessos do constitucionalismo contemporâneo.

Os valores acima apontados, e que marcarão, certamente, o constitucionalismo do futuro, podem ser assim resenhados:

I) verdade – as constituições não mais conterão promessas impossíveis de serem realizadas, nem consagrarão mentiras. Para tanto, o referido publicista argentino analisa as normas que, de natureza programática, encerram projetos inalcançáveis pela maioria dos Estados, defendendo a necessidade de sua erradicação dos textos constitucionais. Por isso é que o constitucionalismo será verdadeiro, transparente e eficaz;

II) solidariedade – as constituições do futuro aproximar-se-ão de uma nova idéia de igualdade, baseada na solidariedade dos povos, na dignidade da pessoa humana e na justiça social, com a eliminação das discriminações;

III) continuidade – é muito perigoso em nosso tempo conceber constituições que produzam uma ruptura da denominada lógica dos antecedentes, pelo que as reformas constitucionais, embora objetivando adaptar os textos constitucionais às exigências da realidade, ocorrerão com ponderação e equilíbrio, dando continuidade ao caminho traçado;

IV) participação – o povo e os corpos intermediários da sociedade participarão de forma ativa, integral e equilibrada no processo político (democracia participativa) eliminando-se, com isso, a indiferença social;

V) integração – haverá integração, prevista nas constituições, mediante cláusulas que prevejam órgãos supranacionais, dos planos interno e externo do Estado, refletindo a integração espiritual, moral, ética e institucional dos povos;

VI) universalização – os direitos fundamentais internacionais serão previstos nas constituições do futuro, com a prevalência universal da dignidade do homem, e serão eliminadas quaisquer formas de desumanização.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

GASTOS COM PUBLICIDADE NO ANO ELEITORAL – LIMITAÇÕES LEGAIS


 
 
 
 
 
Fonte: Revista do Tribunal de Contas

Como deve ser interpretada a restrição a gastos com publicidade e propaganda, estabelecida pelo inc. VII, art. 73, da Lei Ordinária Federal n. 9.504/97, considerando os seguintes desdobramentos:

O art. 73, VII, da supracitada lei, dispõe sobre o limite de gastos com publicidade em ano eleitoral, estabelecendo duas formas de cálculo para se encontrar tal limite. Mas não expressa o que a Resolução n. 20.562, da lavra do Tribunal Superior Eleitoral, determina em seu art. 37, VIII: impõe que se observe, sempre, a menor média ou valor encontrado entre as duas opções de limites de gastos estabelecidas em lei.

Diante do exposto, solicita-se a análise sobre a possibilidade de o TSE inovar, restritivamente, sobre o procedimento a ser adotado, através de resolução. Por outro lado, indaga-se qual seria a medida adotada, caso se conclua pela inconstitucionalidade do dispositivo infralegal, para se resguardar o administrador público que pretende a reeleição. Sobre as formas de cálculo das médias de gastos, seria necessário explicitar como seria a média dos três últimos anos e a do último ano anterior à eleição, se em ano ou mês a mês.

Sobre a relação período versus gastos, em que pese à média ou ao limite de gastos estabelecido ao final, poder-se-ia gastar todo o recurso para publicidade nos seis primeiros meses do ano eleitoral? O que poderia ser considerado gastos com publicidade, para fins do cálculo das médias e do controle de gastos?

O indigitado art. 73 da Lei n. 9.504/97 insere-se no Capítulo Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais, e seu caput refere-se à proibição de conduta aos agentes públicos, servidores ou não, da administração direta e indireta. Logo, qualquer pessoa, pública ou privada, física ou jurídica, estaria impedida, em tese, no período estabelecido, de praticar a conduta vedada, desde que, inequivocamente, esteja vinculada à administração pública e que possa, de algum modo, ser considerada uma espécie de agente público, servidor ou não. Tal vínculo amiúde se chama (talvez impropriamente) afetação, ainda que não seja específica a expressão, já que se aplica normalmente aos bens públicos. Isso porque os conceitos de agente e de servidor público permitem a controvérsia, possuindo diferentes alcances, considerando as searas administrativa, constitucional, eleitoral, previdenciária e penal. O espectro da assim chamada afetação administrativa é igualmente discutível (incluindo, por exemplo, contratadas, permissionárias, delegatárias ou concessionárias de serviço público, cuja inserção no mercado é matizada, muitas vezes, pelo monopólio do bem ou serviço oferecido), bem como imprecisos seus limites (se é que haveria limites claramente determinados). Em síntese, não apenas as condutas vedadas são imprecisas (como se verá), como também as pessoas alcançadas pela vedação não estão nominadas em numerus clausus, o que possibilita a controvérsia. Essa primeira abordagem mostra apenas o início da polêmica que envolve o tema 1.

O dispositivo legal em tela faz duas restrições distintas. A primeira, abrangendo os três meses que antecedem o pleito (conforme o inc. VI, b, do art. 73), veda expressamente a realização de despesas oficiais com publicidade e propaganda (de modo geral), salvo a propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado. A única exceção, para publicidade de atos, programas, serviços, etc. do governo, poderia ocorrer em caso de grave e urgente necessidade (campanha de saúde pública, por exemplo). Duas conclusões emergem dessa primeira restrição: a uma, abrindo exceção para propaganda de produtos que disputem no mercado. Trata-se de bens e serviços oferecidos por empresas públicas ou de economia mista, com inserção plenamente privada, em disputa por espaço no mercado, em geral. A duas, de natureza meridiana, mostrando o quanto é amplo e indefinido o conceito de publicidade e propaganda, no âmbito governamental.

A segunda vedação, prevista no inc. VII, combinado com o prazo do inc. VI, do mesmo art. 73, estabelece restrições de gastos com publicidade para os primeiros seis meses do ano eleitoral. O inciso determina um limite, alternativo, que pode ser estabelecido a partir da média dos gastos nos três últimos anos que antecedem ao pleito ou do último ano anterior à eleição. É principalmente desse período de seis meses que trata o presente parecer. Tal restrição atinge a administração pública, direta e indireta, seja ela municipal, federal ou estadual, bem como os agentes públicos a elas atrelados, servidores ou não, tendo em vista a complexidade do conceito já mencionada.

Daí emergem duas questões: a primeira está adstrita à forma de se determinar a mencionada média, seja ela do ano ou dos três últimos anos, e por qual optar. A segunda indagação é de ordem operacional e está relacionada aos mecanismos de obtenção e cálculo dos dados que eventualmente comprovem a ofensa ao dispositivo em comento.

Entretanto, antes de adentar nessas questões, duas outras são preliminares: o estabelecimento do conceito de gastos com publicidade (item 4 deste parecer) e de como apurá-los na execução orçamentária. Vejamos.

Do conceito de gastos com publicidade

O art. 37, caput, da Constituição Federal estabelece a publicidade como um dos princípios essenciais da administração pública, sendo que seu §1º discrimina, ainda que indiretamente, o conceito constitucional de publicidade, pela via de uma vedação expressa: a proibição da publicidade que caracteriza promoção pessoal, quando da divulgação dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgão públicos. A restrição se daria pela aplicação do princípio constitucional da impessoalidade, que, segundo Hely Lopes Meirelles, seria o clássico princípio da finalidade com outro nome2

O procedimento de se buscar, nesse dispositivo constitucional, o conceito de publicidade é referendado pelo autor Newton Lins3. Em não havendo regulamentação do que poderia, ou não, ser considerado gasto com publicidade, como de fato não há, quaisquer gastos, de qualquer natureza, que se destinem a divulgar atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, podem ser computados como gastos com publicidade, desde meros atos oficiais (publicações de atos e provimentos) até a realização de eventos. Estamos diante de caso análogo ao da Emenda Constitucional n. 29, que disciplinou o mínimo constitucional de gastos com a saúde. De autoria do então Deputado Federal Carlos Mosconi, a emenda foi aprovada no ano de 2000, mas jamais regulamentada. Na prática, Estados, municípios e a própria União têm interpretado com muita liberdade o conceito de gastos com saúde. Sabe-se, por exemplo, que todas as despesas com saneamento básico e com a bolsa-família da União (entre outros programas sociais) são classificadas, orçamentariamente, como gastos com saúde. O mesmo acontece no Estado de Minas Gerais (que paga bombeiros, pensões, saneamento, etc. com recursos classificados como programas de saúde4) e na maioria dos municípios mineiros, em que pesem algumas tentativas regulamentadoras5. Nessa medida, qualquer tentativa de se regulamentar, extra legem, o que seria gasto com publicidade poderá esbarrar no conceito constitucional – com toda a amplitude estabelecida pelo dispositivo magno – que deve ser respeitado como tal.

Se formos compulsar a Lei n. 4.320/64, verificaremos que, à míngua de regulamentação específica, despesas correntes ou de capital, desde que, mutatis mutandis, possam ser enquadradas no grande espectro determinado pelo §1º, art. 37, da CF/88, podem ser consideradas gastos com publicidade. 
No campo das despesas correntes, a exceção ficaria por conta das transferências correntes, mas compreenderia todas as modalidades de despesas de custeio, inclusive pessoal. Isso, considerando todas as unidades orçamentárias, englobando todos os órgãos da administração direta e indireta que registrem despesas com publicidade assim conceituadas, sem qualquer exceção. In extremis, o documento a ser considerado, para fins de se computarem, sem qualquer dúvida, as despesas com publicidade, seria a nota de empenho, mais especificamente no momento de sua liquidação (art. 63, Lei n. 4.320/64).

Da obtenção de qual média e de sua opção

O fato do dispositivo legal dar duas alternativas ao gestor público, para calibrar seus gastos com publicidade no ano eleitoral, o que nos parece simples, tem gerado discussão doutrinária. Cândido6 entende que se deve optar pela menor média apurada, mas não explica o porquê. Afirma, por outro lado, que a redação é confusa (no que concordamos), dando margem a interpretações diversas. O mesmo autor conclui que o descumprimento da regra caracteriza o abuso do poder econômico em gênero e, nas espécies, o abuso do poder político, abuso do poder de autoridade e o uso indevido da máquina pública. Caso uma eventual conduta que supere os limites de gastos com publicidade, em ano eleitoral, seja assim considerada, torna-se possível a abertura de ações de natureza severa.

Costa7, em sentido contrário, leciona que a diferença de médias está relacionada com a época das eleições. Segundo o autor, a média de três anos deve valer para os candidatos à reeleição nos âmbitos federal e estadual, bem como do Distrito Federal. Na esfera municipal, deveria ser utilizada a média aritmética (?) dos gastos do ano anterior à eleição. A impressão que se tem é que o autor espera que esta lei dure pouco tempo (foi editada em setembro de 1997). Além disso, entende que um regime de cálculo do limite de gastos, o do ano anterior, seria mais apropriado para os prefeitos, eleitos no pleito de 1996. O outro regime, o da média dos três anos, para o pleito de 1998, ainda que nada haja de expresso nesse sentido na lei ou mesmo em resolução. Tal raciocínio não pode ser levado em conta, já que estamos em 2007, e a lei ainda é a mesma. Da mesma forma que o outro autor, anteriormente citado, Costa não oferece qualquer explicação mais elaborada para justificar a forma de procedimento que sugere. Parte de supostos pouco claros e, ao que tudo indica, subjetivos. Ademais, não leva em conta que há duas vedações de gastos publicitários, distintas, no tempo: uma para os três meses que antecedem o pleito eleitoral; outra para os seis primeiros meses do ano eleitoral. 

Amaral e Cunha8 simplesmente nada dizem a respeito desse tema, preferindo colocarem-se ao largo de uma discussão que, para estes, parece já encerrada pela própria legislação. Também não tratam do assunto os doutrinadores Newton Lins9 e Thales Cerqueira10.

Nessa medida, considerando os diversos autores que representam a doutrina citada, pouco (ou nada) avançamos para se afirmar com segurança o que quer que seja. Mas podemos, desde já, registrar que a indigência da doutrina é bem maior do que parece: existe um falso problema, não detectado pelos autores compulsados até o momento, que se refere a uma imperfeita inteligência do dispositivo central em tela, qual seja, o inc. VII do art. 73. Se correto o nosso entendimento, o item 2 da questão que nos orienta fica solucionado. Se não, vejamos.

O falso problema refere-se à obtenção da média de gastos com publicidade no último ano: não há porque promover tal indagação, é justamente a tentativa de se obter tal média anual o nosso falso problema. Quando o dispositivo fala de média dos três últimos anos, não há qualquer dúvida: soma-se o gastos dos três anos, divide-se por três e pronto, temos a esperada média. Mas e a média do último ano? Não se pode obter média tendo em vista único período ou valor, salvo se o período, em questão, for decomposto em outras unidades menores. No caso de um ano, seriam doze meses, certo? Errado. A lei não autoriza tal procedimento. Se assim fosse, a lei diria: para se obter a média de gastos com publicidade do último ano, anterior ao pleito, divide-se o período em doze meses, etc. A Lei Eleitoral é do Direito Público, está sujeita ao princípio da legalidade, o que não estiver expresso está proibido. Se aqui tratássemos, por exemplo, de decisão judicial, mutatis mutandis, uma interpretação, que permitisse esse tipo de ilação, seria equivalente a uma decisão extra petita. Isto porque o dispositivo em questão, quando fala em média, refere-se aos três últimos anos, tão-somente. Quando estabelece o último ano, anterior ao pleito, o dispositivo não diz ou sugere média: determina o último ano como referência de limite de gastos, e ponto final. Diz o dispositivo: VII – (...) que excedam a média dos gastos dos três últimos anos (...) ou (que excedam os gastos) do último ano imediatamente anterior à eleição. Não se fala em média no caso do último ano. Há uma alternativa.

Por qual razão? Essa pergunta, que a doutrina não enfrentou, enfrentaremos agora. Isso ocorreu porque a lei foi promulgada em 1997, entre pleitos (o de 1996 e o de 1998) e com escopo duradouro (ao contrário das leis eleitorais anteriores, que serviam para um único pleito). Tratou-se, nessa medida, de dar duas alternativas ao administrador público, para se vencer uma fase de transição, para exercer sua discricionariedade e para prevenir eventuais dificuldades, tais como aquelas relativas ao prazo para se licitar uma agência que se encarregue da publicidade governamental, em geral extenso e sujeito a intervenções administrativas e judiciais. Essa foi a razão. A doutrina não enfrentou o problema, lamentavelmente, porque a maioria dos doutrinadores lecionam tão-somente. Muitos não advogam, não vivem os pleitos eleitorais e, via de regra, jamais estiveram no âmago da administração pública. A filosofia jurídica e a excelência acadêmica, por mais repeitáveis e importantes que sejam, não superam questões que somente a vivência, o sofrimento e o embate das lides podem ensinar, data venia.

O que podemos dizer da jurisprudência?

Quase do mesmo modo, há pequena incidência de jurisprudência assentada que possa pacificar o tema11. Para se ter uma idéia da dificuldade jurisprudencial relativa à questão, citaremos trecho do voto do Ministro Fernando Neves, do Tribunal Superior Eleitoral, quando pediu vista justamente em razão de citação jurisprudencial controversa, feita por ministro relator, no âmbito de processo que cuidava do tema em comento: Na verdade, pela pesquisa que fiz, este Tribunal ainda não cuidou do caso em que tenha sido desrespeitado o limite de gastos com a propaganda institucional em ano eleitoral12. A decisão foi publicada no Diário de Justiça em 06/02/2004. Portanto, até essa data, simplesmente não se tratou do tema. Anteriormente, houve a decisão proferida no Acórdão n. 2.506, Agravo de Instrumento n. 2.506, Classe 2, São Paulo, relativa ao dispositivo em tela; mas, nesse caso, tratou-se apenas da proporcionalidade de gastos com publicidade, ao longo do ano eleitoral, discussão que empreenderemos posteriormente. A primeira decisão sobre limites foi justamente esta – e não foi completa. Tratou-se de parte da questão. Por outro lado, não se tem notícia de outras decisões posteriores a esta. Vejamos. 

O recurso, provido e vencido o relator, proposto pelo Ministério Público eleitoral, tratou de apenas duas questões – mas somente uma foi levada em conta durante o julgamento: a responsabilidade do chefe do Executivo pela eventual extrapolação do limite. A outra questão levantada pelo recorrente, qual seja, discutindo o estabelecimento de uma proporcionalidade de gastos ao longo do ano, não foi sequer cogitada. Do mesmo modo, não foi discutida qual modalidade de limite seria a mais adequada: se a média de três anos ou se a referência relativa ao último ano. No caso, o recorrido escolheu um determinado limite no âmbito de sua prestação de contas junto ao Tribunal de Contas (provavelmente o maior limite). A partir da constatação da extrapolação do limite escolhido, cuidou-se de discutir se o chefe do Executivo seria o responsável, ou não, pela conduta irregular (já que não teria sido ele o ordenador das despesas) e se esta seria passível de penalização por multa. Entendeu-se que, embora não fosse o responsável ou o ordenador da despesa (em que pese ao fato da extrapolação do limite ter sido bastante significativa – cerca de onze milhões de reais), o chefe do Executivo teria sido beneficiado por isso. Como frisou o Ministro Marco Aurélio, em seu voto: A responsabilidade é latente. (...) Não posso, sob pena adentrar num campo da mais completa ingenuidade, admitir que não tivesse conhecimento. A glosa é do fator subjetivo. O fato da superação do limite ter sido substancial pesou no entendimento da Corte, o que pode ser percebido ao compulsarmos os votos em geral. Pois bem: por ter superado o limite de gastos, o governador foi multado pelo TSE.

Já o Acórdão do TSE anteriormente citado (o de n. 2.506, publicado em 27/04/2001), embora seja apenas um agravo de instrumento, com uma discussão de envergadura bem menor (sem pedido de vista, etc.), tratando de uma aplicação de multa relativamente pequena (cinco mil UFIRs), avança de maneira crucial sobre duas questões centrais desse parecer: a da proporcionalidade de gastos ao longo do ano (se seria possível gastar nos seis primeiros meses do ano eleitoral os recursos de publicidade destinados para todo o ano), e a da inovação na Lei Eleitoral, quando decisão de Tribunal Regional Eleitoral redefiniu e restringiu ainda mais os limites de gastos com publicidade, multando o agravante em razão desse entendimento.
Com clareza meridiana, decidiu, nesse acórdão, o Tribunal Superior Eleitoral:
Propaganda institucional. Gastos. Limites. Art. 73, inciso VII, da Lei n. 9.504, de 1997. Multa.
Decisão regional que fixou como valor máximo a ser gasto no primeiro semestre do ano eleitoral a quantia referente à metade da média anual dos três anos anteriores.
Proporcionalidade não prevista em lei. Impossibilidade de se aumentarem restrições estabelecidas na norma legal. (grifo nosso)
1. A distribuição de publicidade institucional efetuada nos meses permitidos em ano eleitoral deve ser feita no interesse e conveniência da administração pública, desde que observada, como valor máximo, a média de gastos nos três anos anteriores ou do ano imediatamente anterior à eleição.
2. Agravo de instrumento provido. Recurso especial conhecido e provido para tornar insubsistente a multa aplicada.
Diante do exposto, as questões remanescentes do parecer parecem resolvidas: é da inteira capacidade discricionária do administrador público distribuir os recursos ao longo do ano; bem como a inovação promovendo restrição aos gastos com publicidade, ao arrepio da lei, por decisão do Poder Judiciário eleitoral, é inconstitucional.
Neste mesmo sentido, podemos citar parecer da lavra do advogado Paulo Brossard de Souza Pinto, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, publicado no vol. 365 da Revista Forense, elaborado a pedido da Presidência do Senado Federal, verbis:
23. O direito eleitoral é federal, e só a lei dispõe sobre ele, arts. 22, I, e 48, da Constituição; de modo que a expedição de "instruções" que a lei permite ao Tribunal Superior Eleitoral há de ser subordinada à lei, para o fim de bem executar o Código Eleitoral, art. 23, XI, e jamais para alterar a lei; sua natureza é infralegal; as instruções são semelhantes a regulamentos, que para fiel execução das leis o presidente da República está autorizado a editar, art. 84, IV, da Constituição.
24. (...) a instrução se assemelha ao regulamento, e desde o Império até hoje, o regulamento há de ser intra legem, dominado pela lei; não são atos de legislação, mas de pura execução, cujo "dever é cumprir e não fazer a lei" (Pimenta Bueno, Direito Público brasileiro e análise da Constituição do Império, 1857, n. 324 a 326, p. 236-237; Maximiliano, Comentário à Constituição, 1929, n. 242, p. 542-543; Celso de Mello, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 254).
25. Ora, se o regulamento, cuja expedição é privativa do presidente da República por expressa outorga constitucional, art. 84, IV, não pode ir além da lei e destina-se a assegurar "sua fiel execução", a fortiori, não podem fazê-lo as "instruções" que, mercê de dispositivo legal, art. 23, IX, do Código Eleitoral, compete ao Tribunal Superior Eleitoral expedir para a boa "execução deste Código". Do mesmo modo, o art. 105, da Lei n. 9.504/97.
Dos mecanismos de obtenção e cálculo dos gastos com publicidade

Cândido13 é de opinião que os cálculos, que eventualmente possam demonstrar o descumprimento do dispositivo legal em questão, só podem ser apurados ao se apreciarem as contas do infrator, no órgão, na forma e na época adequada. Segundo o autor, isso a princípio inviabilizaria a punição do candidato no ano eleitoral. A análise da jusrisprudência aqui citada mostra a correção dessa hipótese. O Recurso Especial n. 21.307, do qual nos ocupamos, só pôde ter curso a partir dos dados fornecidos pelo Tribunal de Contas de Goiás. Os demais autores nada dizem a este respeito, e tampouco há jurisprudência assentada sobre tais bases.

Conclusões

Na nossa opinião, trata-se de mais um dispositivo de difícil cumprimento e compreensão, a exemplo do já famoso princípio constante da lei das inelegibilidades, que se refere à rejeição das contas de um eventual gestor público ao se candidatar. Fazemos tal comparação porque, em ambos os casos, temos a participação dos tribunais de contas. 

Por oportuno, faz-se necessário abrir uma pequena discussão, nesse mister: tratamos, no âmbito da lei das inelegibilidades (LC n. 64/90), da alínea g, inc. I, art. 1º, da referida lei14. Tal dispositivo aplica a pena de inelegibilidade, pelo prazo de cinco anos, para o administrador que tiver suas contas rejeitadas por irregularidade insanável. Daí a questão: na seara da qual até agora tratamos – a eventual superação dos limites legais para gastos com publicidade – a pena seria multa aplicada pela Justiça Eleitoral. Se tal extrapolação de limites for motivo para a rejeição das contas do administrador público, por irregularidade insanável, haveria a pena suplementar de cinco anos de inelegibilidade. Pena administrativa suplementar ou bis in idem, gerando dupla punição para a mesma conduta? Ou teríamos a existência de diferentes leis, para tratar da mesma conduta?15 Mais questões ainda não respondidas. Por outro lado, é bom lembrar que também não estão pacificadas as indagações sobre qual tipo de contas públicas estariam no elenco – eventualmente atingido por esse dispositivo. Seria a rejeição de qualquer tipo de prestação de contas públicas? Até mesmo uma prestação de contas de viagem ou um convênio qualquer? É bom lembrar que parte das contas públicas são julgadas pelos TCs e parte pelos Legislativos (estadual, federal e municipal). Também não se sabe ao certo o conceito de irregularidade insanável, até porque existem crimes que podem ser patrimonialmente sanáveis, via ressarcimento (peculato, por exemplo). Mas e o aspecto moral? O fato é que nem a Justiça Eleitoral, nem os tribunais de contas possuem legislação, ou jurisprudência, que possa pacificar tais questões. Pelo menos até o presente momento.

Enfim, a discussão referente a qual média a ser adotada, para se calcularem os gastos com publicidade no ano das eleições, é inócua. A lei estabelece duas alternativas. Uma delas deve ser adotada – e não uma terceira. Donde conclui-se que será legal o gasto com publicidade que esteja amparado na média dos três anos ou no limite de gastos do ano anterior às eleições. Qualquer outra alternativa que fuja a estas duas mencionadas será ilegal. Nada mais simples. A resolução do TSE indicando a menor média é claramente inconstitucional, conforme pudemos ver alhures, até por questão lógica. 

Quanto à forma de se calcular, nenhum doutrinador atreveu-se a propor qualquer solução. Tampouco a jurisprudência avançou: decidiu com base exclusiva nos dados fornecidos pelo Tribunal de Contas, dados estes registrados pelo próprio requerido, quando de sua prestação de contas. Isto porque trata-se de matéria de Contabilidade Pública e não de Direito Eleitoral. Nesta medida, uma boa forma para se apurarem os gastos com publicidade encontra-se no acompanhamento da execução orçamentária, pela via dos relatórios de gestão fiscal, e na avaliação do registro dos empenhos destinados a cobrir tais gastos, após liquidados – observando-se se tais empenhos foram ou não cancelados em virtude do que preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou seja, empenhando-se e liquidando-se a despesa com publicidade, e não se cancelando o empenho ao fim do exercício fiscal, pode-se perfeitamente registrar os dados e proceder aos cálculos. 

Quanto à sua apuração, em sede de impugnação de mandato eletivo, por exemplo, há que se denunciarem ao Tribunal de Contas os eventuais gastos com publicidade realizados a maior, quais sejam, superiores a um dos limites estabelecidos em lei. Somente este órgão, e somente no ano seguinte ao das eleições, poderá determinar com rigor se o dispositivo aqui tratado foi de algum modo desobedecido.

Considerando, enfim, a celeridade processual da justiça brasileira, tanto nos tribunais de contas quanto nos tribunais eleitorais, é de se supor que dificilmente qualquer gestor público perderá seu mandato em virtude do descumprimento do inc. VII, art. 73, da Lei n. 9504/97. O que vimos, até aqui, resultou apenas em multas. Pelo contrário, provavelmente o gestor públilco concluirá seu mandato antes de qualquer decisão transitada em julgado (é bom lembrar que a matéria possui conteúdo constitucional e está, por suposto, sujeita à apreciação, até mesmo, do Supremo Tribunal Federal, igualmente lento). Talvez, ao final da ação, o eventual infrator já esteja há tempos falecido, quando de seu definitivo e indiscutível trânsito em julgado.
É o parecer.

Marco Antônio Andere Teixeira é advogado. Historiador. Cientista político. Professor universitário.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

COTA FEMININA: MP Eleitoral avisa partidos políticos que candidatura fictícia será considerada fraude

O procurador regional eleitoral de Minas Gerais, Patrick Salgado Martins, chefe do Ministério Público Eleitoral no estado, expediu recomendação aos partidos políticos alertando-os sobre os riscos da inobservância dos requisitos necessários para o registro de candidaturas nas eleições deste ano.

Um dos pontos principais da recomendação diz respeito às candidaturas fictícias, que são apresentadas pelas agremiações partidárias apenas para alcançarem os percentuais mínimos exigidos pela lei no que diz respeito, por exemplo, à participação feminina, ou mesmo por parte de servidores públicos que não possuem qualquer compromisso sério de se engajarem nas campanhas e só se candidatam para usufruir os três meses de licença remunerada.

"As candidaturas fictícias são identificadas com gastos de campanha inexistentes ou irrisórios e votação ínfima. Este ano, o Ministério Público Eleitoral estará especialmente atento a essa prática ilícita e fraudulenta", afirma Patrick Salgado.

Cota feminina - Os partidos políticos deverão obedecer fielmente o que diz a legislação eleitoral quanto ao percentual mínimo de 30% dos registros para candidaturas femininas. Segundo o procurador eleitoral, este percentual deve ser cumprido durante todo o processo eleitoral, não apenas no ato do registro das candidaturas, e os partidos e coligações devem oferecer as mesmas condições e espaços políticos para as candidatas mulheres.

“O que percebemos, em toda eleição, é que os partidos utilizam vários subterfúgios para se esquivarem ao cumprimento da cota feminina. Na maioria das vezes, fazem os cálculos com base no número em abstrato previsto na Lei das Eleições, mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já decidiu que os percentuais legais devem levar em conta o número de registros de candidatura efetivamente requeridos”, afirma Patrick Salgado.

Outra forma de burlar a lei está nas substituições de candidatos que ocorrem após o prazo do registro, quando as agremiações aproveitam para simular a desistência de candidatas mulheres trocando-as por candidatos do sexo masculino. Este ano, qualquer tentativa de descumprimento da lei será objeto de impugnação pelo Ministério Público.

Documentação completa – A recomendação também tratou da necessidade de instruir os pedidos de registro de candidaturas com toda a documentação necessária.

Patrick Salgado relata que os partidos e coligações já se acostumaram a apresentar documentação incompleta, mesmo sabendo de antemão quais são os documentos exigidos por lei.

“É uma postura negligente e até desrespeitosa, porque obriga a Justiça Eleitoral e o próprio Ministério Público a suprir a ineficiência dos partidos e dos próprios candidatos, verificando, página por página, cada um dos milhares de pedidos de registro que são apresentados no tribunal, no curtíssimo prazo que temos para impugnação, que é de 5 dias corridos”, diz.

O Ministério Público Eleitoral alertou os partidos e coligações que, em 2014, não será feita nenhuma diligência para suprir eventual lacuna nos pedidos de registro apresentados à Justiça Eleitoral e os requerimentos incompletos serão imediatamente impugnados, somente permitindo-se aos candidatos promover sua defesa, no âmbito do processo judicial, com contratação de advogado.

Ficha Limpa - Além da regularidade na documentação, os pedidos de registro de candidatos também irão passar por um pente fino quanto à ocorrência de alguma inelegibilidade, em especial de casos que se enquadrarem na Lei da Ficha Limpa.

O procurador eleitoral ressalta que "o Ministério Público Eleitoral está devidamente preparado para a aplicação da Lei da Ficha Limpa, com a coleta e organização prévia, por meio do Sisconta, de todas as informações necessárias sobre os fichas sujas, que terão suas candidaturas barradas com rigor".

Fonte: http://www.prmg.mpf.mp.br

quinta-feira, 15 de maio de 2014

SEMINÁRIO SOBRE LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS




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A Escola do Legislativo de Divinópolis convida para o Seminário sobre Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO 2015. A ser realizado na Sede do Poder Legislativo, Rua São Paulo, 277 – Centro – Divinópolis.

Dia 21 de maio de 2014, de 13:00h às 18:00h.

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Lei de Diretrizes Orçamentária – LDO

 O Seminário vai abordar de forma prática os seguintes tópicos:
  • Regras Gerais // Funções da LDO // Ciclo Orçamentário //
    Elaboração // Objetivos da LDO // Prazos // Audiência
    Pública // Processo Legislativo Orçamentário // Emendas// Elaboração de Emendas // Lei de Responsabilidade Fiscal e a LDO // LDO – Responsabilidades da Câmara Municipal // Participação Popular.
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Expositor:
Dr. Vander Lúcio Gomes Penha, Técnico Legislativo, Advogado Especialista em Direito Público, Professor da Escola do Legislativo, Consultor em matéria Orçamentária e Palestrante.

Inscrições gratuitas pelo e-mail: escoladolegisdiv@gmail.com ou pelo telefone: (37) 2102-8241

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

GASTOS COM PUBLICIDADE NO ANO ELEITORAL – LIMITAÇÕES LEGAIS






Fonte: Revista do Tribunal de Contas

Como deve ser interpretada a restrição a gastos com publicidade e propaganda, estabelecida pelo inc. VII, art. 73, da Lei Ordinária Federal n. 9.504/97, considerando os seguintes desdobramentos:
O art. 73, VII, da supracitada lei, dispõe sobre o limite de gastos com publicidade em ano eleitoral, estabelecendo duas formas de cálculo para se encontrar tal limite. Mas não expressa o que a Resolução n. 20.562, da lavra do Tribunal Superior Eleitoral, determina em seu art. 37, VIII: impõe que se observe, sempre, a menor média ou valor encontrado entre as duas opções de limites de gastos estabelecidas em lei.

Diante do exposto, solicita-se a análise sobre a possibilidade de o TSE inovar, restritivamente, sobre o procedimento a ser adotado, através de resolução. Por outro lado, indaga-se qual seria a medida adotada, caso se conclua pela inconstitucionalidade do dispositivo infralegal, para se resguardar o administrador público que pretende a reeleição. Sobre as formas de cálculo das médias de gastos, seria necessário explicitar como seria a média dos três últimos anos e a do último ano anterior à eleição, se em ano ou mês a mês.

Sobre a relação período versus gastos, em que pese à média ou ao limite de gastos estabelecido ao final, poder-se-ia gastar todo o recurso para publicidade nos seis primeiros meses do ano eleitoral? O que poderia ser considerado gastos com publicidade, para fins do cálculo das médias e do controle de gastos?

O indigitado art. 73 da Lei n. 9.504/97 insere-se no Capítulo Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais, e seu caput refere-se à proibição de conduta aos agentes públicos, servidores ou não, da administração direta e indireta. Logo, qualquer pessoa, pública ou privada, física ou jurídica, estaria impedida, em tese, no período estabelecido, de praticar a conduta vedada, desde que, inequivocamente, esteja vinculada à administração pública e que possa, de algum modo, ser considerada uma espécie de agente público, servidor ou não. Tal vínculo amiúde se chama (talvez impropriamente) afetação, ainda que não seja específica a expressão, já que se aplica normalmente aos bens públicos. Isso porque os conceitos de agente e de servidor público permitem a controvérsia, possuindo diferentes alcances, considerando as searas administrativa, constitucional, eleitoral, previdenciária e penal. O espectro da assim chamada afetação administrativa é igualmente discutível (incluindo, por exemplo, contratadas, permissionárias, delegatárias ou concessionárias de serviço público, cuja inserção no mercado é matizada, muitas vezes, pelo monopólio do bem ou serviço oferecido), bem como imprecisos seus limites (se é que haveria limites claramente determinados). Em síntese, não apenas as condutas vedadas são imprecisas (como se verá), como também as pessoas alcançadas pela vedação não estão nominadas em numerus clausus, o que possibilita a controvérsia. Essa primeira abordagem mostra apenas o início da polêmica que envolve o tema 1.

O dispositivo legal em tela faz duas restrições distintas. A primeira, abrangendo os três meses que antecedem o pleito (conforme o inc. VI, b, do art. 73), veda expressamente a realização de despesas oficiais com publicidade e propaganda (de modo geral), salvo a propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado. A única exceção, para publicidade de atos, programas, serviços, etc. do governo, poderia ocorrer em caso de grave e urgente necessidade (campanha de saúde pública, por exemplo). Duas conclusões emergem dessa primeira restrição: a uma, abrindo exceção para propaganda de produtos que disputem no mercado. Trata-se de bens e serviços oferecidos por empresas públicas ou de economia mista, com inserção plenamente privada, em disputa por espaço no mercado, em geral. A duas, de natureza meridiana, mostrando o quanto é amplo e indefinido o conceito de publicidade e propaganda, no âmbito governamental.

A segunda vedação, prevista no inc. VII, combinado com o prazo do inc. VI, do mesmo art. 73, estabelece restrições de gastos com publicidade para os primeiros seis meses do ano eleitoral. O inciso determina um limite, alternativo, que pode ser estabelecido a partir da média dos gastos nos três últimos anos que antecedem ao pleito ou do último ano anterior à eleição. É principalmente desse período de seis meses que trata o presente parecer. Tal restrição atinge a administração pública, direta e indireta, seja ela municipal, federal ou estadual, bem como os agentes públicos a elas atrelados, servidores ou não, tendo em vista a complexidade do conceito já mencionada.

Daí emergem duas questões: a primeira está adstrita à forma de se determinar a mencionada média, seja ela do ano ou dos três últimos anos, e por qual optar. A segunda indagação é de ordem operacional e está relacionada aos mecanismos de obtenção e cálculo dos dados que eventualmente comprovem a ofensa ao dispositivo em comento.

Entretanto, antes de adentar nessas questões, duas outras são preliminares: o estabelecimento do conceito de gastos com publicidade (item 4 deste parecer) e de como apurá-los na execução orçamentária. Vejamos.

Do conceito de gastos com publicidade

O art. 37, caput, da Constituição Federal estabelece a publicidade como um dos princípios essenciais da administração pública, sendo que seu §1º discrimina, ainda que indiretamente, o conceito constitucional de publicidade, pela via de uma vedação expressa: a proibição da publicidade que caracteriza promoção pessoal, quando da divulgação dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgão públicos. A restrição se daria pela aplicação do princípio constitucional da impessoalidade, que, segundo Hely Lopes Meirelles, seria o clássico princípio da finalidade com outro nome2

O procedimento de se buscar, nesse dispositivo constitucional, o conceito de publicidade é referendado pelo autor Newton Lins3. Em não havendo regulamentação do que poderia, ou não, ser considerado gasto com publicidade, como de fato não há, quaisquer gastos, de qualquer natureza, que se destinem a divulgar atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, podem ser computados como gastos com publicidade, desde meros atos oficiais (publicações de atos e provimentos) até a realização de eventos. Estamos diante de caso análogo ao da Emenda Constitucional n. 29, que disciplinou o mínimo constitucional de gastos com a saúde. De autoria do então Deputado Federal Carlos Mosconi, a emenda foi aprovada no ano de 2000, mas jamais regulamentada. Na prática, Estados, municípios e a própria União têm interpretado com muita liberdade o conceito de gastos com saúde. Sabe-se, por exemplo, que todas as despesas com saneamento básico e com a bolsa-família da União (entre outros programas sociais) são classificadas, orçamentariamente, como gastos com saúde. O mesmo acontece no Estado de Minas Gerais (que paga bombeiros, pensões, saneamento, etc. com recursos classificados como programas de saúde4) e na maioria dos municípios mineiros, em que pesem algumas tentativas regulamentadoras5. Nessa medida, qualquer tentativa de se regulamentar, extra legem, o que seria gasto com publicidade poderá esbarrar no conceito constitucional – com toda a amplitude estabelecida pelo dispositivo magno – que deve ser respeitado como tal.

Se formos compulsar a Lei n. 4.320/64, verificaremos que, à míngua de regulamentação específica, despesas correntes ou de capital, desde que, mutatis mutandis, possam ser enquadradas no grande espectro determinado pelo §1º, art. 37, da CF/88, podem ser consideradas gastos com publicidade. 
No campo das despesas correntes, a exceção ficaria por conta das transferências correntes, mas compreenderia todas as modalidades de despesas de custeio, inclusive pessoal. Isso, considerando todas as unidades orçamentárias, englobando todos os órgãos da administração direta e indireta que registrem despesas com publicidade assim conceituadas, sem qualquer exceção. In extremis, o documento a ser considerado, para fins de se computarem, sem qualquer dúvida, as despesas com publicidade, seria a nota de empenho, mais especificamente no momento de sua liquidação (art. 63, Lei n. 4.320/64).

Da obtenção de qual média e de sua opção

O fato do dispositivo legal dar duas alternativas ao gestor público, para calibrar seus gastos com publicidade no ano eleitoral, o que nos parece simples, tem gerado discussão doutrinária. Cândido6 entende que se deve optar pela menor média apurada, mas não explica o porquê. Afirma, por outro lado, que a redação é confusa (no que concordamos), dando margem a interpretações diversas. O mesmo autor conclui que o descumprimento da regra caracteriza o abuso do poder econômico em gênero e, nas espécies, o abuso do poder político, abuso do poder de autoridade e o uso indevido da máquina pública. Caso uma eventual conduta que supere os limites de gastos com publicidade, em ano eleitoral, seja assim considerada, torna-se possível a abertura de ações de natureza severa.

Costa7, em sentido contrário, leciona que a diferença de médias está relacionada com a época das eleições. Segundo o autor, a média de três anos deve valer para os candidatos à reeleição nos âmbitos federal e estadual, bem como do Distrito Federal. Na esfera municipal, deveria ser utilizada a média aritmética (?) dos gastos do ano anterior à eleição. A impressão que se tem é que o autor espera que esta lei dure pouco tempo (foi editada em setembro de 1997). Além disso, entende que um regime de cálculo do limite de gastos, o do ano anterior, seria mais apropriado para os prefeitos, eleitos no pleito de 1996. O outro regime, o da média dos três anos, para o pleito de 1998, ainda que nada haja de expresso nesse sentido na lei ou mesmo em resolução. Tal raciocínio não pode ser levado em conta, já que estamos em 2007, e a lei ainda é a mesma. Da mesma forma que o outro autor, anteriormente citado, Costa não oferece qualquer explicação mais elaborada para justificar a forma de procedimento que sugere. Parte de supostos pouco claros e, ao que tudo indica, subjetivos. Ademais, não leva em conta que há duas vedações de gastos publicitários, distintas, no tempo: uma para os três meses que antecedem o pleito eleitoral; outra para os seis primeiros meses do ano eleitoral. 

Amaral e Cunha8 simplesmente nada dizem a respeito desse tema, preferindo colocarem-se ao largo de uma discussão que, para estes, parece já encerrada pela própria legislação. Também não tratam do assunto os doutrinadores Newton Lins9 e Thales Cerqueira10.

Nessa medida, considerando os diversos autores que representam a doutrina citada, pouco (ou nada) avançamos para se afirmar com segurança o que quer que seja. Mas podemos, desde já, registrar que a indigência da doutrina é bem maior do que parece: existe um falso problema, não detectado pelos autores compulsados até o momento, que se refere a uma imperfeita inteligência do dispositivo central em tela, qual seja, o inc. VII do art. 73. Se correto o nosso entendimento, o item 2 da questão que nos orienta fica solucionado. Se não, vejamos.

O falso problema refere-se à obtenção da média de gastos com publicidade no último ano: não há porque promover tal indagação, é justamente a tentativa de se obter tal média anual o nosso falso problema. Quando o dispositivo fala de média dos três últimos anos, não há qualquer dúvida: soma-se o gastos dos três anos, divide-se por três e pronto, temos a esperada média. Mas e a média do último ano? Não se pode obter média tendo em vista único período ou valor, salvo se o período, em questão, for decomposto em outras unidades menores. No caso de um ano, seriam doze meses, certo? Errado. A lei não autoriza tal procedimento. Se assim fosse, a lei diria: para se obter a média de gastos com publicidade do último ano, anterior ao pleito, divide-se o período em doze meses, etc. A Lei Eleitoral é do Direito Público, está sujeita ao princípio da legalidade, o que não estiver expresso está proibido. Se aqui tratássemos, por exemplo, de decisão judicial, mutatis mutandis, uma interpretação, que permitisse esse tipo de ilação, seria equivalente a uma decisão extra petita. Isto porque o dispositivo em questão, quando fala em média, refere-se aos três últimos anos, tão-somente. Quando estabelece o último ano, anterior ao pleito, o dispositivo não diz ou sugere média: determina o último ano como referência de limite de gastos, e ponto final. Diz o dispositivo: VII – (...) que excedam a média dos gastos dos três últimos anos (...) ou (que excedam os gastos) do último ano imediatamente anterior à eleição. Não se fala em média no caso do último ano. Há uma alternativa.

Por qual razão? Essa pergunta, que a doutrina não enfrentou, enfrentaremos agora. Isso ocorreu porque a lei foi promulgada em 1997, entre pleitos (o de 1996 e o de 1998) e com escopo duradouro (ao contrário das leis eleitorais anteriores, que serviam para um único pleito). Tratou-se, nessa medida, de dar duas alternativas ao administrador público, para se vencer uma fase de transição, para exercer sua discricionariedade e para prevenir eventuais dificuldades, tais como aquelas relativas ao prazo para se licitar uma agência que se encarregue da publicidade governamental, em geral extenso e sujeito a intervenções administrativas e judiciais. Essa foi a razão. A doutrina não enfrentou o problema, lamentavelmente, porque a maioria dos doutrinadores lecionam tão-somente. Muitos não advogam, não vivem os pleitos eleitorais e, via de regra, jamais estiveram no âmago da administração pública. A filosofia jurídica e a excelência acadêmica, por mais repeitáveis e importantes que sejam, não superam questões que somente a vivência, o sofrimento e o embate das lides podem ensinar, data venia.

O que podemos dizer da jurisprudência?

Quase do mesmo modo, há pequena incidência de jurisprudência assentada que possa pacificar o tema11. Para se ter uma idéia da dificuldade jurisprudencial relativa à questão, citaremos trecho do voto do Ministro Fernando Neves, do Tribunal Superior Eleitoral, quando pediu vista justamente em razão de citação jurisprudencial controversa, feita por ministro relator, no âmbito de processo que cuidava do tema em comento: Na verdade, pela pesquisa que fiz, este Tribunal ainda não cuidou do caso em que tenha sido desrespeitado o limite de gastos com a propaganda institucional em ano eleitoral12. A decisão foi publicada no Diário de Justiça em 06/02/2004. Portanto, até essa data, simplesmente não se tratou do tema. Anteriormente, houve a decisão proferida no Acórdão n. 2.506, Agravo de Instrumento n. 2.506, Classe 2, São Paulo, relativa ao dispositivo em tela; mas, nesse caso, tratou-se apenas da proporcionalidade de gastos com publicidade, ao longo do ano eleitoral, discussão que empreenderemos posteriormente. A primeira decisão sobre limites foi justamente esta – e não foi completa. Tratou-se de parte da questão. Por outro lado, não se tem notícia de outras decisões posteriores a esta. Vejamos. 

O recurso, provido e vencido o relator, proposto pelo Ministério Público eleitoral, tratou de apenas duas questões – mas somente uma foi levada em conta durante o julgamento: a responsabilidade do chefe do Executivo pela eventual extrapolação do limite. A outra questão levantada pelo recorrente, qual seja, discutindo o estabelecimento de uma proporcionalidade de gastos ao longo do ano, não foi sequer cogitada. Do mesmo modo, não foi discutida qual modalidade de limite seria a mais adequada: se a média de três anos ou se a referência relativa ao último ano. No caso, o recorrido escolheu um determinado limite no âmbito de sua prestação de contas junto ao Tribunal de Contas (provavelmente o maior limite). A partir da constatação da extrapolação do limite escolhido, cuidou-se de discutir se o chefe do Executivo seria o responsável, ou não, pela conduta irregular (já que não teria sido ele o ordenador das despesas) e se esta seria passível de penalização por multa. Entendeu-se que, embora não fosse o responsável ou o ordenador da despesa (em que pese ao fato da extrapolação do limite ter sido bastante significativa – cerca de onze milhões de reais), o chefe do Executivo teria sido beneficiado por isso. Como frisou o Ministro Marco Aurélio, em seu voto: A responsabilidade é latente. (...) Não posso, sob pena adentrar num campo da mais completa ingenuidade, admitir que não tivesse conhecimento. A glosa é do fator subjetivo. O fato da superação do limite ter sido substancial pesou no entendimento da Corte, o que pode ser percebido ao compulsarmos os votos em geral. Pois bem: por ter superado o limite de gastos, o governador foi multado pelo TSE.

Já o Acórdão do TSE anteriormente citado (o de n. 2.506, publicado em 27/04/2001), embora seja apenas um agravo de instrumento, com uma discussão de envergadura bem menor (sem pedido de vista, etc.), tratando de uma aplicação de multa relativamente pequena (cinco mil UFIRs), avança de maneira crucial sobre duas questões centrais desse parecer: a da proporcionalidade de gastos ao longo do ano (se seria possível gastar nos seis primeiros meses do ano eleitoral os recursos de publicidade destinados para todo o ano), e a da inovação na Lei Eleitoral, quando decisão de Tribunal Regional Eleitoral redefiniu e restringiu ainda mais os limites de gastos com publicidade, multando o agravante em razão desse entendimento.
Com clareza meridiana, decidiu, nesse acórdão, o Tribunal Superior Eleitoral:
Propaganda institucional. Gastos. Limites. Art. 73, inciso VII, da Lei n. 9.504, de 1997. Multa.
Decisão regional que fixou como valor máximo a ser gasto no primeiro semestre do ano eleitoral a quantia referente à metade da média anual dos três anos anteriores.
Proporcionalidade não prevista em lei. Impossibilidade de se aumentarem restrições estabelecidas na norma legal. (grifo nosso)
1. A distribuição de publicidade institucional efetuada nos meses permitidos em ano eleitoral deve ser feita no interesse e conveniência da administração pública, desde que observada, como valor máximo, a média de gastos nos três anos anteriores ou do ano imediatamente anterior à eleição.
2. Agravo de instrumento provido. Recurso especial conhecido e provido para tornar insubsistente a multa aplicada.
Diante do exposto, as questões remanescentes do parecer parecem resolvidas: é da inteira capacidade discricionária do administrador público distribuir os recursos ao longo do ano; bem como a inovação promovendo restrição aos gastos com publicidade, ao arrepio da lei, por decisão do Poder Judiciário eleitoral, é inconstitucional.
Neste mesmo sentido, podemos citar parecer da lavra do advogado Paulo Brossard de Souza Pinto, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, publicado no vol. 365 da Revista Forense, elaborado a pedido da Presidência do Senado Federal, verbis:
23. O direito eleitoral é federal, e só a lei dispõe sobre ele, arts. 22, I, e 48, da Constituição; de modo que a expedição de "instruções" que a lei permite ao Tribunal Superior Eleitoral há de ser subordinada à lei, para o fim de bem executar o Código Eleitoral, art. 23, XI, e jamais para alterar a lei; sua natureza é infralegal; as instruções são semelhantes a regulamentos, que para fiel execução das leis o presidente da República está autorizado a editar, art. 84, IV, da Constituição.
24. (...) a instrução se assemelha ao regulamento, e desde o Império até hoje, o regulamento há de ser intra legem, dominado pela lei; não são atos de legislação, mas de pura execução, cujo "dever é cumprir e não fazer a lei" (Pimenta Bueno, Direito Público brasileiro e análise da Constituição do Império, 1857, n. 324 a 326, p. 236-237; Maximiliano, Comentário à Constituição, 1929, n. 242, p. 542-543; Celso de Mello, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 254).
25. Ora, se o regulamento, cuja expedição é privativa do presidente da República por expressa outorga constitucional, art. 84, IV, não pode ir além da lei e destina-se a assegurar "sua fiel execução", a fortiori, não podem fazê-lo as "instruções" que, mercê de dispositivo legal, art. 23, IX, do Código Eleitoral, compete ao Tribunal Superior Eleitoral expedir para a boa "execução deste Código". Do mesmo modo, o art. 105, da Lei n. 9.504/97.
Dos mecanismos de obtenção e cálculo dos gastos com publicidade

Cândido13 é de opinião que os cálculos, que eventualmente possam demonstrar o descumprimento do dispositivo legal em questão, só podem ser apurados ao se apreciarem as contas do infrator, no órgão, na forma e na época adequada. Segundo o autor, isso a princípio inviabilizaria a punição do candidato no ano eleitoral. A análise da jusrisprudência aqui citada mostra a correção dessa hipótese. O Recurso Especial n. 21.307, do qual nos ocupamos, só pôde ter curso a partir dos dados fornecidos pelo Tribunal de Contas de Goiás. Os demais autores nada dizem a este respeito, e tampouco há jurisprudência assentada sobre tais bases.

Conclusões

Na nossa opinião, trata-se de mais um dispositivo de difícil cumprimento e compreensão, a exemplo do já famoso princípio constante da lei das inelegibilidades, que se refere à rejeição das contas de um eventual gestor público ao se candidatar. Fazemos tal comparação porque, em ambos os casos, temos a participação dos tribunais de contas. 

Por oportuno, faz-se necessário abrir uma pequena discussão, nesse mister: tratamos, no âmbito da lei das inelegibilidades (LC n. 64/90), da alínea g, inc. I, art. 1º, da referida lei14. Tal dispositivo aplica a pena de inelegibilidade, pelo prazo de cinco anos, para o administrador que tiver suas contas rejeitadas por irregularidade insanável. Daí a questão: na seara da qual até agora tratamos – a eventual superação dos limites legais para gastos com publicidade – a pena seria multa aplicada pela Justiça Eleitoral. Se tal extrapolação de limites for motivo para a rejeição das contas do administrador público, por irregularidade insanável, haveria a pena suplementar de cinco anos de inelegibilidade. Pena administrativa suplementar ou bis in idem, gerando dupla punição para a mesma conduta? Ou teríamos a existência de diferentes leis, para tratar da mesma conduta?15 Mais questões ainda não respondidas. Por outro lado, é bom lembrar que também não estão pacificadas as indagações sobre qual tipo de contas públicas estariam no elenco – eventualmente atingido por esse dispositivo. Seria a rejeição de qualquer tipo de prestação de contas públicas? Até mesmo uma prestação de contas de viagem ou um convênio qualquer? É bom lembrar que parte das contas públicas são julgadas pelos TCs e parte pelos Legislativos (estadual, federal e municipal). Também não se sabe ao certo o conceito de irregularidade insanável, até porque existem crimes que podem ser patrimonialmente sanáveis, via ressarcimento (peculato, por exemplo). Mas e o aspecto moral? O fato é que nem a Justiça Eleitoral, nem os tribunais de contas possuem legislação, ou jurisprudência, que possa pacificar tais questões. Pelo menos até o presente momento.

Enfim, a discussão referente a qual média a ser adotada, para se calcularem os gastos com publicidade no ano das eleições, é inócua. A lei estabelece duas alternativas. Uma delas deve ser adotada – e não uma terceira. Donde conclui-se que será legal o gasto com publicidade que esteja amparado na média dos três anos ou no limite de gastos do ano anterior às eleições. Qualquer outra alternativa que fuja a estas duas mencionadas será ilegal. Nada mais simples. A resolução do TSE indicando a menor média é claramente inconstitucional, conforme pudemos ver alhures, até por questão lógica. 

Quanto à forma de se calcular, nenhum doutrinador atreveu-se a propor qualquer solução. Tampouco a jurisprudência avançou: decidiu com base exclusiva nos dados fornecidos pelo Tribunal de Contas, dados estes registrados pelo próprio requerido, quando de sua prestação de contas. Isto porque trata-se de matéria de Contabilidade Pública e não de Direito Eleitoral. Nesta medida, uma boa forma para se apurarem os gastos com publicidade encontra-se no acompanhamento da execução orçamentária, pela via dos relatórios de gestão fiscal, e na avaliação do registro dos empenhos destinados a cobrir tais gastos, após liquidados – observando-se se tais empenhos foram ou não cancelados em virtude do que preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou seja, empenhando-se e liquidando-se a despesa com publicidade, e não se cancelando o empenho ao fim do exercício fiscal, pode-se perfeitamente registrar os dados e proceder aos cálculos. 

Quanto à sua apuração, em sede de impugnação de mandato eletivo, por exemplo, há que se denunciarem ao Tribunal de Contas os eventuais gastos com publicidade realizados a maior, quais sejam, superiores a um dos limites estabelecidos em lei. Somente este órgão, e somente no ano seguinte ao das eleições, poderá determinar com rigor se o dispositivo aqui tratado foi de algum modo desobedecido.

Considerando, enfim, a celeridade processual da justiça brasileira, tanto nos tribunais de contas quanto nos tribunais eleitorais, é de se supor que dificilmente qualquer gestor público perderá seu mandato em virtude do descumprimento do inc. VII, art. 73, da Lei n. 9504/97. O que vimos, até aqui, resultou apenas em multas. Pelo contrário, provavelmente o gestor públilco concluirá seu mandato antes de qualquer decisão transitada em julgado (é bom lembrar que a matéria possui conteúdo constitucional e está, por suposto, sujeita à apreciação, até mesmo, do Supremo Tribunal Federal, igualmente lento). Talvez, ao final da ação, o eventual infrator já esteja há tempos falecido, quando de seu definitivo e indiscutível trânsito em julgado.
É o parecer.

Marco Antônio Andere Teixeira é advogado. Historiador. Cientista político. Professor universitário.