Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão plenária de 16/2/2012,
concluiu o julgamento conjunto da ADC 29, ADC 30 e ADI 4578, declarando,
por maioria, a constitucionalidade das novas causas de inelegibilidade
estabelecidas pela Lei Complementar 135/2010, a denominada Lei da Ficha
Limpa. O constitucionalista Rodrigo Lago analisou a história, os
bastidores e a repercussão desse julgamento no artigo Fim da novela: Ficha Limpa é constitucional.
Na última sexta-feira, 29/6, o STF publicou os acórdãos. Os votos,
inclusive dos ministros que ficaram vencidos, servirão para fundamentar
as ações de impugnação aos pedidos de registro de candidatura referentes
às eleições de 2012. As três ações de controle concentrado possuem a
mesma ementa, sendo os acórdãos da ADC 30 e ADI 4578 idênticos em
tamanho, ambos com 375 páginas, enquanto o da ADC 29 é um pouco maior,
com 383 páginas.
Uma curiosidade deve ser ressaltada: os acórdãos não trouxeram o voto
ou os apartes do ministro Celso de Mello – em seu lugar aparece apenas a
palavra “cancelado”. Essa omissão, de certo modo, prejudica a
compreensão minuciosa do julgamento, seja no que concerne aos debates ou
no que diz respeito aos fundamentos e à exata extensão do voto
proferido pelo decano do STF, que julgou improcedente a ADC 29 e
parcialmente procedentes a ADC 30 e a ADI 4578.
Clique nas ações para ler a íntegra dos acórdãos da ADC 29, ADC 30 e ADI 4578. E confira a ementa comum às três causas:
AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº
135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA
DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO
ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS
HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º,
LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA,
PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL.
ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS.
VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO
LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI.
AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS
ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO.
1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico –
constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela
qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de
fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo
art. 5º, XXXV, da Constituição, mercê de incabível a invocação de
direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o
pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em
oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao
sistema normativo pretérito (expectativa de direito).
2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a
cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade
para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da
condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no
exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição
de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do
exercício de profissão por violação de dever ético-profissional.
3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da
Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada
com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que
reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a
reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem
incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a
inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art.
14, § 9º, da Constituição Federal.
4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 não viola o
princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado
o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de
consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a
extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral.
5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser
restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser
consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência
constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de
reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou
denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder
político.
6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei
Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins
moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados
de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de
candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios
socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o
exercício de referido munus publico.
7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos
eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades
previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia,
que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes
populares.
8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo
essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições
temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações
políticas ativas.
9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da
manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do
conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14,
§ 9.º, da Constituição Federal.
10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade
dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto
hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do
ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 53, § 6º, da Constituição
Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em
manifesta transposição dos limites da boa-fé.
11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º
do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições
objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos
eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a
suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas
no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não
apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas
também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há
inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão
de direitos políticos.
12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o
cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior,
viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política
se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante
interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao
cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a
condenação e o trânsito em julgado.
13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga
improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos
se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das
hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”,
“g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei
Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10,
vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação
conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos
de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de
inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em
julgado.
14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições
de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do
disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min.
Gilmar Mendes (repercussão geral).
(ADC 30, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC
29-06-2012)