terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Crise da Lei e Crise Legislativa na visão de Manoel Gonçalves







Crise da Lei e crise Legislativa

A referência a essas crises poderá talvez intrigar o leigo, ou o observador desatento e superficial. Como falar em crise da Lei, crise legislativa, quando são tantas as leis, quando a cada instante novas leis se promulgam em toda parte?

A multiplicação das leis é fenômeno universal e inegável. Com segurança pode-se dizer que nunca se fizeram tantas lei em tão pouco tempo. No Brasil, por exemplo, durante todo o império, foram promulgadas cerca de 3.400 Leis. Durante a primeira República, de 1891 a 1930, cerca de 2.500 Leis.  E de 18 de setembro de 1946 a 9 de abril de 1964, nada menos que 4.300. E de 1964 até hoje mais de 7.000 leis. E de 1967 para cá, mais de 2.000 decretos-leis.

Por um lado, essa multiplicação é fruto da extensão do domínio em que o governante se intromete, em razão das novas concepções sobre a missão do Estado. A Lei é hoje onipresente. Não há campo da atividade humana, onde não esteja o Governo a ditar regras. Seja para garantir a liberdade artística contra a cegueira da censura, seja para fixar as dimensões dos armários postos à disposição do operário.

Contudo, essa multiplicação é, antes de mais nada, fruto de sua transitoriedade. A maioria das Leis que aos jorros são editadas destina-se a durar como a rosa de Malherbe I' espace d' un matin...

Em vez de esperar a maturação da regra para promulgá-la, o legislador edita-a para, da prática, extrair a lição sofre seus defeitos ou inconvenientes. Daí decorre que quanto mais numerosas são as leis  tanto maior número de outras exigem para completá-las, explicá-las, remendá-las, consertá-las... Feitas às pressas para atender a contingências de momento, trazem essas leis o estigma de leviandade.

Essa mudança incessante das Leis repercute sobre todas as relações sociais e afeta todas as existências individuais. Ela as afeta tanto mais quanto nelas se põe mais arrojo, quanto a elas mais se dá ambição, quanto se pensa fazê-las mais livremente. O cidadão, aí, já não está protegido por um direito certo, pois a Justiça segue as leis cambiantes. Não mais está ele garantido contra os governantes cuja audácia lhes permite legislar segundo seu capricho. As desvantagens ou vantagens que uma lei nova pode produzir ou trazer são tais que o cidadão aprende a tudo temer ou a tudo esperar  de uma alteração legislativa.

Com isso o mundo jurídico se torna uma babel. A multidão de leis  afoga o jurista, esmaga o advogado, estonteia o cidadão, desnorteia o juiz. A fronteira entre o lícito e o ilícito fica incerta. A segurança das relações sociais, principal mérito do direito escrito, se evapora.

Quanto maior o número de leis que se editam, menor o respeito que cada qual inspira. 

Como reverenciar a lei se esta não despreza o ridículo? Como cultuá-la se passa breve qual um meteoro?





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FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O Município, a área jurídica e o poder local

O Município, a área jurídica e o poder local - fonte: André Barbi

O Município, a área jurídica e o poder local

O Município, a área jurídica e o poder local
Nesta semana, um qualificado grupo de procuradores e procuradoras e de assessores e assesoras jurídicas de prefeituras e de câmaras municipais discutiu no Igam a atuação da área jurídica nos ambientes do poder executivo e do poder legislativo local, com o objetivo de prospectar estrutura orgânica e de produzir luz sobre as competências pessoais e profissionais a serem desenvolvidas para o atendimento dos processos administrativo, legislativo, tributário e disciplinar, considerando os espaços institucionais tático-estratégico e administrativo-operacional.

A orientação para os debates foi organizada a partir da compreensão das consequências jurídicas do "empoderamento" que a Constituição Federal concedeu ao município, colocando-o na estrutura político-administrativa do País como uma unidade da federação (art. 18). Com isso, o município, no sistema constitucional de repartição de competências, posicionou-se como responsável pelo exercício do poder local, tendo em conta suas as suas peculiaridades. Para tanto, recebeu autonomia, assumiu encargos e passou a responder pelos seus atos, pelas suas ações e pelos consequentes resultados.

A construção do conteúdo também transitou pela aplicabilidade do poder local, cujo exercício ocorre de forma separada e harmônica (Constituição Federal, art. 2º), envolvendo a composição orgânica do executivo (prefeitura) e a composição orgânica do legislativo (câmara), pois por essas vias instala-se a atuação das respectivas áreas jurídicas, que se alojam no acompanhamento  e na orientação institucional das atribuições de cada um dos poderes. No poder legislativo aparecem as funções de (a) legislar, (b) fisccalizar, (c) realizar o julgamento das contas públicas e das infrações político-administrativas e (d) gestão interna; no poder executivo estão as funções de (a) planejamento, (b) administração dos serviços internos, (c) execução das políticas públicas, (d) gestão orçamentária e fiscal, (e) gestão do patrimônio e da cidade e (f) produção do desenvolvimento social e econômico.

Pontos importantes foram discutidos, como a verba de representação, a responsabilidade solidária, a relação da área jurídica com o sistema de controle interno, a organização do trabalho e a definição dos ambientes e das atribuições das áreas jurídicas, inclusive quanto à consultoria e à procuradoria, o novo cenário a ser constituído a partir da aprovação da PEC 17, que está tramitando no Senado Federal, e que trata do estágio probatório e da carreira do cargo de procurador, além de outros temas conectados com a atividade-fim das áreas jurídicas das prefeituras e das câmaras municipais.

Se, por um lado, a cobrança dos núcleos políticos é intensa quanto à produção de resultados de excelência, sem aparelhamento, infraestrutra e condições adequadas de trabalho os profissionais das áreas jurídicas de prefeituras e de câmaras municipais não só "não" conseguirão cumprir plenamente suas funções, como serão aborvidos por um volume ainda maior de serviço. A quantidade sufocará a qualidade.