quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

GASTOS COM PUBLICIDADE NO ANO ELEITORAL – LIMITAÇÕES LEGAIS

Fonte: Revista do Tribunal de Contas

Como deve ser interpretada a restrição a gastos com publicidade e propaganda, estabelecida pelo inc. VII, art. 73, da Lei Ordinária Federal n. 9.504/97, considerando os seguintes desdobramentos:
O art. 73, VII, da supracitada lei, dispõe sobre o limite de gastos com publicidade em ano eleitoral, estabelecendo duas formas de cálculo para se encontrar tal limite. Mas não expressa o que a Resolução n. 20.562, da lavra do Tribunal Superior Eleitoral, determina em seu art. 37, VIII: impõe que se observe, sempre, a menor média ou valor encontrado entre as duas opções de limites de gastos estabelecidas em lei.

Diante do exposto, solicita-se a análise sobre a possibilidade de o TSE inovar, restritivamente, sobre o procedimento a ser adotado, através de resolução. Por outro lado, indaga-se qual seria a medida adotada, caso se conclua pela inconstitucionalidade do dispositivo infralegal, para se resguardar o administrador público que pretende a reeleição. Sobre as formas de cálculo das médias de gastos, seria necessário explicitar como seria a média dos três últimos anos e a do último ano anterior à eleição, se em ano ou mês a mês.

Sobre a relação período versus gastos, em que pese à média ou ao limite de gastos estabelecido ao final, poder-se-ia gastar todo o recurso para publicidade nos seis primeiros meses do ano eleitoral? O que poderia ser considerado gastos com publicidade, para fins do cálculo das médias e do controle de gastos?

O indigitado art. 73 da Lei n. 9.504/97 insere-se no Capítulo Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais, e seu caput refere-se à proibição de conduta aos agentes públicos, servidores ou não, da administração direta e indireta. Logo, qualquer pessoa, pública ou privada, física ou jurídica, estaria impedida, em tese, no período estabelecido, de praticar a conduta vedada, desde que, inequivocamente, esteja vinculada à administração pública e que possa, de algum modo, ser considerada uma espécie de agente público, servidor ou não. Tal vínculo amiúde se chama (talvez impropriamente) afetação, ainda que não seja específica a expressão, já que se aplica normalmente aos bens públicos. Isso porque os conceitos de agente e de servidor público permitem a controvérsia, possuindo diferentes alcances, considerando as searas administrativa, constitucional, eleitoral, previdenciária e penal. O espectro da assim chamada afetação administrativa é igualmente discutível (incluindo, por exemplo, contratadas, permissionárias, delegatárias ou concessionárias de serviço público, cuja inserção no mercado é matizada, muitas vezes, pelo monopólio do bem ou serviço oferecido), bem como imprecisos seus limites (se é que haveria limites claramente determinados). Em síntese, não apenas as condutas vedadas são imprecisas (como se verá), como também as pessoas alcançadas pela vedação não estão nominadas em numerus clausus, o que possibilita a controvérsia. Essa primeira abordagem mostra apenas o início da polêmica que envolve o tema 1.

O dispositivo legal em tela faz duas restrições distintas. A primeira, abrangendo os três meses que antecedem o pleito (conforme o inc. VI, b, do art. 73), veda expressamente a realização de despesas oficiais com publicidade e propaganda (de modo geral), salvo a propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado. A única exceção, para publicidade de atos, programas, serviços, etc. do governo, poderia ocorrer em caso de grave e urgente necessidade (campanha de saúde pública, por exemplo). Duas conclusões emergem dessa primeira restrição: a uma, abrindo exceção para propaganda de produtos que disputem no mercado. Trata-se de bens e serviços oferecidos por empresas públicas ou de economia mista, com inserção plenamente privada, em disputa por espaço no mercado, em geral. A duas, de natureza meridiana, mostrando o quanto é amplo e indefinido o conceito de publicidade e propaganda, no âmbito governamental.

A segunda vedação, prevista no inc. VII, combinado com o prazo do inc. VI, do mesmo art. 73, estabelece restrições de gastos com publicidade para os primeiros seis meses do ano eleitoral. O inciso determina um limite, alternativo, que pode ser estabelecido a partir da média dos gastos nos três últimos anos que antecedem ao pleito ou do último ano anterior à eleição. É principalmente desse período de seis meses que trata o presente parecer. Tal restrição atinge a administração pública, direta e indireta, seja ela municipal, federal ou estadual, bem como os agentes públicos a elas atrelados, servidores ou não, tendo em vista a complexidade do conceito já mencionada.

Daí emergem duas questões: a primeira está adstrita à forma de se determinar a mencionada média, seja ela do ano ou dos três últimos anos, e por qual optar. A segunda indagação é de ordem operacional e está relacionada aos mecanismos de obtenção e cálculo dos dados que eventualmente comprovem a ofensa ao dispositivo em comento.

Entretanto, antes de adentar nessas questões, duas outras são preliminares: o estabelecimento do conceito de gastos com publicidade (item 4 deste parecer) e de como apurá-los na execução orçamentária. Vejamos.

Do conceito de gastos com publicidade

O art. 37, caput, da Constituição Federal estabelece a publicidade como um dos princípios essenciais da administração pública, sendo que seu §1º discrimina, ainda que indiretamente, o conceito constitucional de publicidade, pela via de uma vedação expressa: a proibição da publicidade que caracteriza promoção pessoal, quando da divulgação dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgão públicos. A restrição se daria pela aplicação do princípio constitucional da impessoalidade, que, segundo Hely Lopes Meirelles, seria o clássico princípio da finalidade com outro nome2

O procedimento de se buscar, nesse dispositivo constitucional, o conceito de publicidade é referendado pelo autor Newton Lins3. Em não havendo regulamentação do que poderia, ou não, ser considerado gasto com publicidade, como de fato não há, quaisquer gastos, de qualquer natureza, que se destinem a divulgar atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, podem ser computados como gastos com publicidade, desde meros atos oficiais (publicações de atos e provimentos) até a realização de eventos. Estamos diante de caso análogo ao da Emenda Constitucional n. 29, que disciplinou o mínimo constitucional de gastos com a saúde. De autoria do então Deputado Federal Carlos Mosconi, a emenda foi aprovada no ano de 2000, mas jamais regulamentada. Na prática, Estados, municípios e a própria União têm interpretado com muita liberdade o conceito de gastos com saúde. Sabe-se, por exemplo, que todas as despesas com saneamento básico e com a bolsa-família da União (entre outros programas sociais) são classificadas, orçamentariamente, como gastos com saúde. O mesmo acontece no Estado de Minas Gerais (que paga bombeiros, pensões, saneamento, etc. com recursos classificados como programas de saúde4) e na maioria dos municípios mineiros, em que pesem algumas tentativas regulamentadoras5. Nessa medida, qualquer tentativa de se regulamentar, extra legem, o que seria gasto com publicidade poderá esbarrar no conceito constitucional – com toda a amplitude estabelecida pelo dispositivo magno – que deve ser respeitado como tal.

Se formos compulsar a Lei n. 4.320/64, verificaremos que, à míngua de regulamentação específica, despesas correntes ou de capital, desde que, mutatis mutandis, possam ser enquadradas no grande espectro determinado pelo §1º, art. 37, da CF/88, podem ser consideradas gastos com publicidade. 
No campo das despesas correntes, a exceção ficaria por conta das transferências correntes, mas compreenderia todas as modalidades de despesas de custeio, inclusive pessoal. Isso, considerando todas as unidades orçamentárias, englobando todos os órgãos da administração direta e indireta que registrem despesas com publicidade assim conceituadas, sem qualquer exceção. In extremis, o documento a ser considerado, para fins de se computarem, sem qualquer dúvida, as despesas com publicidade, seria a nota de empenho, mais especificamente no momento de sua liquidação (art. 63, Lei n. 4.320/64).

Da obtenção de qual média e de sua opção

O fato do dispositivo legal dar duas alternativas ao gestor público, para calibrar seus gastos com publicidade no ano eleitoral, o que nos parece simples, tem gerado discussão doutrinária. Cândido6 entende que se deve optar pela menor média apurada, mas não explica o porquê. Afirma, por outro lado, que a redação é confusa (no que concordamos), dando margem a interpretações diversas. O mesmo autor conclui que o descumprimento da regra caracteriza o abuso do poder econômico em gênero e, nas espécies, o abuso do poder político, abuso do poder de autoridade e o uso indevido da máquina pública. Caso uma eventual conduta que supere os limites de gastos com publicidade, em ano eleitoral, seja assim considerada, torna-se possível a abertura de ações de natureza severa.

Costa7, em sentido contrário, leciona que a diferença de médias está relacionada com a época das eleições. Segundo o autor, a média de três anos deve valer para os candidatos à reeleição nos âmbitos federal e estadual, bem como do Distrito Federal. Na esfera municipal, deveria ser utilizada a média aritmética (?) dos gastos do ano anterior à eleição. A impressão que se tem é que o autor espera que esta lei dure pouco tempo (foi editada em setembro de 1997). Além disso, entende que um regime de cálculo do limite de gastos, o do ano anterior, seria mais apropriado para os prefeitos, eleitos no pleito de 1996. O outro regime, o da média dos três anos, para o pleito de 1998, ainda que nada haja de expresso nesse sentido na lei ou mesmo em resolução. Tal raciocínio não pode ser levado em conta, já que estamos em 2007, e a lei ainda é a mesma. Da mesma forma que o outro autor, anteriormente citado, Costa não oferece qualquer explicação mais elaborada para justificar a forma de procedimento que sugere. Parte de supostos pouco claros e, ao que tudo indica, subjetivos. Ademais, não leva em conta que há duas vedações de gastos publicitários, distintas, no tempo: uma para os três meses que antecedem o pleito eleitoral; outra para os seis primeiros meses do ano eleitoral. 

Amaral e Cunha8 simplesmente nada dizem a respeito desse tema, preferindo colocarem-se ao largo de uma discussão que, para estes, parece já encerrada pela própria legislação. Também não tratam do assunto os doutrinadores Newton Lins9 e Thales Cerqueira10.

Nessa medida, considerando os diversos autores que representam a doutrina citada, pouco (ou nada) avançamos para se afirmar com segurança o que quer que seja. Mas podemos, desde já, registrar que a indigência da doutrina é bem maior do que parece: existe um falso problema, não detectado pelos autores compulsados até o momento, que se refere a uma imperfeita inteligência do dispositivo central em tela, qual seja, o inc. VII do art. 73. Se correto o nosso entendimento, o item 2 da questão que nos orienta fica solucionado. Se não, vejamos.

O falso problema refere-se à obtenção da média de gastos com publicidade no último ano: não há porque promover tal indagação, é justamente a tentativa de se obter tal média anual o nosso falso problema. Quando o dispositivo fala de média dos três últimos anos, não há qualquer dúvida: soma-se o gastos dos três anos, divide-se por três e pronto, temos a esperada média. Mas e a média do último ano? Não se pode obter média tendo em vista único período ou valor, salvo se o período, em questão, for decomposto em outras unidades menores. No caso de um ano, seriam doze meses, certo? Errado. A lei não autoriza tal procedimento. Se assim fosse, a lei diria: para se obter a média de gastos com publicidade do último ano, anterior ao pleito, divide-se o período em doze meses, etc. A Lei Eleitoral é do Direito Público, está sujeita ao princípio da legalidade, o que não estiver expresso está proibido. Se aqui tratássemos, por exemplo, de decisão judicial, mutatis mutandis, uma interpretação, que permitisse esse tipo de ilação, seria equivalente a uma decisão extra petita. Isto porque o dispositivo em questão, quando fala em média, refere-se aos três últimos anos, tão-somente. Quando estabelece o último ano, anterior ao pleito, o dispositivo não diz ou sugere média: determina o último ano como referência de limite de gastos, e ponto final. Diz o dispositivo: VII – (...) que excedam a média dos gastos dos três últimos anos (...) ou (que excedam os gastos) do último ano imediatamente anterior à eleição. Não se fala em média no caso do último ano. Há uma alternativa.

Por qual razão? Essa pergunta, que a doutrina não enfrentou, enfrentaremos agora. Isso ocorreu porque a lei foi promulgada em 1997, entre pleitos (o de 1996 e o de 1998) e com escopo duradouro (ao contrário das leis eleitorais anteriores, que serviam para um único pleito). Tratou-se, nessa medida, de dar duas alternativas ao administrador público, para se vencer uma fase de transição, para exercer sua discricionariedade e para prevenir eventuais dificuldades, tais como aquelas relativas ao prazo para se licitar uma agência que se encarregue da publicidade governamental, em geral extenso e sujeito a intervenções administrativas e judiciais. Essa foi a razão. A doutrina não enfrentou o problema, lamentavelmente, porque a maioria dos doutrinadores lecionam tão-somente. Muitos não advogam, não vivem os pleitos eleitorais e, via de regra, jamais estiveram no âmago da administração pública. A filosofia jurídica e a excelência acadêmica, por mais repeitáveis e importantes que sejam, não superam questões que somente a vivência, o sofrimento e o embate das lides podem ensinar, data venia.

O que podemos dizer da jurisprudência?

Quase do mesmo modo, há pequena incidência de jurisprudência assentada que possa pacificar o tema11. Para se ter uma idéia da dificuldade jurisprudencial relativa à questão, citaremos trecho do voto do Ministro Fernando Neves, do Tribunal Superior Eleitoral, quando pediu vista justamente em razão de citação jurisprudencial controversa, feita por ministro relator, no âmbito de processo que cuidava do tema em comento: Na verdade, pela pesquisa que fiz, este Tribunal ainda não cuidou do caso em que tenha sido desrespeitado o limite de gastos com a propaganda institucional em ano eleitoral12. A decisão foi publicada no Diário de Justiça em 06/02/2004. Portanto, até essa data, simplesmente não se tratou do tema. Anteriormente, houve a decisão proferida no Acórdão n. 2.506, Agravo de Instrumento n. 2.506, Classe 2, São Paulo, relativa ao dispositivo em tela; mas, nesse caso, tratou-se apenas da proporcionalidade de gastos com publicidade, ao longo do ano eleitoral, discussão que empreenderemos posteriormente. A primeira decisão sobre limites foi justamente esta – e não foi completa. Tratou-se de parte da questão. Por outro lado, não se tem notícia de outras decisões posteriores a esta. Vejamos. 

O recurso, provido e vencido o relator, proposto pelo Ministério Público eleitoral, tratou de apenas duas questões – mas somente uma foi levada em conta durante o julgamento: a responsabilidade do chefe do Executivo pela eventual extrapolação do limite. A outra questão levantada pelo recorrente, qual seja, discutindo o estabelecimento de uma proporcionalidade de gastos ao longo do ano, não foi sequer cogitada. Do mesmo modo, não foi discutida qual modalidade de limite seria a mais adequada: se a média de três anos ou se a referência relativa ao último ano. No caso, o recorrido escolheu um determinado limite no âmbito de sua prestação de contas junto ao Tribunal de Contas (provavelmente o maior limite). A partir da constatação da extrapolação do limite escolhido, cuidou-se de discutir se o chefe do Executivo seria o responsável, ou não, pela conduta irregular (já que não teria sido ele o ordenador das despesas) e se esta seria passível de penalização por multa. Entendeu-se que, embora não fosse o responsável ou o ordenador da despesa (em que pese ao fato da extrapolação do limite ter sido bastante significativa – cerca de onze milhões de reais), o chefe do Executivo teria sido beneficiado por isso. Como frisou o Ministro Marco Aurélio, em seu voto: A responsabilidade é latente. (...) Não posso, sob pena adentrar num campo da mais completa ingenuidade, admitir que não tivesse conhecimento. A glosa é do fator subjetivo. O fato da superação do limite ter sido substancial pesou no entendimento da Corte, o que pode ser percebido ao compulsarmos os votos em geral. Pois bem: por ter superado o limite de gastos, o governador foi multado pelo TSE.

Já o Acórdão do TSE anteriormente citado (o de n. 2.506, publicado em 27/04/2001), embora seja apenas um agravo de instrumento, com uma discussão de envergadura bem menor (sem pedido de vista, etc.), tratando de uma aplicação de multa relativamente pequena (cinco mil UFIRs), avança de maneira crucial sobre duas questões centrais desse parecer: a da proporcionalidade de gastos ao longo do ano (se seria possível gastar nos seis primeiros meses do ano eleitoral os recursos de publicidade destinados para todo o ano), e a da inovação na Lei Eleitoral, quando decisão de Tribunal Regional Eleitoral redefiniu e restringiu ainda mais os limites de gastos com publicidade, multando o agravante em razão desse entendimento.
Com clareza meridiana, decidiu, nesse acórdão, o Tribunal Superior Eleitoral:
Propaganda institucional. Gastos. Limites. Art. 73, inciso VII, da Lei n. 9.504, de 1997. Multa.
Decisão regional que fixou como valor máximo a ser gasto no primeiro semestre do ano eleitoral a quantia referente à metade da média anual dos três anos anteriores.
Proporcionalidade não prevista em lei. Impossibilidade de se aumentarem restrições estabelecidas na norma legal. (grifo nosso)
1. A distribuição de publicidade institucional efetuada nos meses permitidos em ano eleitoral deve ser feita no interesse e conveniência da administração pública, desde que observada, como valor máximo, a média de gastos nos três anos anteriores ou do ano imediatamente anterior à eleição.
2. Agravo de instrumento provido. Recurso especial conhecido e provido para tornar insubsistente a multa aplicada.
Diante do exposto, as questões remanescentes do parecer parecem resolvidas: é da inteira capacidade discricionária do administrador público distribuir os recursos ao longo do ano; bem como a inovação promovendo restrição aos gastos com publicidade, ao arrepio da lei, por decisão do Poder Judiciário eleitoral, é inconstitucional.
Neste mesmo sentido, podemos citar parecer da lavra do advogado Paulo Brossard de Souza Pinto, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, publicado no vol. 365 da Revista Forense, elaborado a pedido da Presidência do Senado Federal, verbis:
23. O direito eleitoral é federal, e só a lei dispõe sobre ele, arts. 22, I, e 48, da Constituição; de modo que a expedição de "instruções" que a lei permite ao Tribunal Superior Eleitoral há de ser subordinada à lei, para o fim de bem executar o Código Eleitoral, art. 23, XI, e jamais para alterar a lei; sua natureza é infralegal; as instruções são semelhantes a regulamentos, que para fiel execução das leis o presidente da República está autorizado a editar, art. 84, IV, da Constituição.
24. (...) a instrução se assemelha ao regulamento, e desde o Império até hoje, o regulamento há de ser intra legem, dominado pela lei; não são atos de legislação, mas de pura execução, cujo "dever é cumprir e não fazer a lei" (Pimenta Bueno, Direito Público brasileiro e análise da Constituição do Império, 1857, n. 324 a 326, p. 236-237; Maximiliano, Comentário à Constituição, 1929, n. 242, p. 542-543; Celso de Mello, Constituição Federal Anotada, 1986, p. 254).
25. Ora, se o regulamento, cuja expedição é privativa do presidente da República por expressa outorga constitucional, art. 84, IV, não pode ir além da lei e destina-se a assegurar "sua fiel execução", a fortiori, não podem fazê-lo as "instruções" que, mercê de dispositivo legal, art. 23, IX, do Código Eleitoral, compete ao Tribunal Superior Eleitoral expedir para a boa "execução deste Código". Do mesmo modo, o art. 105, da Lei n. 9.504/97.
Dos mecanismos de obtenção e cálculo dos gastos com publicidade

Cândido13 é de opinião que os cálculos, que eventualmente possam demonstrar o descumprimento do dispositivo legal em questão, só podem ser apurados ao se apreciarem as contas do infrator, no órgão, na forma e na época adequada. Segundo o autor, isso a princípio inviabilizaria a punição do candidato no ano eleitoral. A análise da jusrisprudência aqui citada mostra a correção dessa hipótese. O Recurso Especial n. 21.307, do qual nos ocupamos, só pôde ter curso a partir dos dados fornecidos pelo Tribunal de Contas de Goiás. Os demais autores nada dizem a este respeito, e tampouco há jurisprudência assentada sobre tais bases.

Conclusões

Na nossa opinião, trata-se de mais um dispositivo de difícil cumprimento e compreensão, a exemplo do já famoso princípio constante da lei das inelegibilidades, que se refere à rejeição das contas de um eventual gestor público ao se candidatar. Fazemos tal comparação porque, em ambos os casos, temos a participação dos tribunais de contas. 

Por oportuno, faz-se necessário abrir uma pequena discussão, nesse mister: tratamos, no âmbito da lei das inelegibilidades (LC n. 64/90), da alínea g, inc. I, art. 1º, da referida lei14. Tal dispositivo aplica a pena de inelegibilidade, pelo prazo de cinco anos, para o administrador que tiver suas contas rejeitadas por irregularidade insanável. Daí a questão: na seara da qual até agora tratamos – a eventual superação dos limites legais para gastos com publicidade – a pena seria multa aplicada pela Justiça Eleitoral. Se tal extrapolação de limites for motivo para a rejeição das contas do administrador público, por irregularidade insanável, haveria a pena suplementar de cinco anos de inelegibilidade. Pena administrativa suplementar ou bis in idem, gerando dupla punição para a mesma conduta? Ou teríamos a existência de diferentes leis, para tratar da mesma conduta?15 Mais questões ainda não respondidas. Por outro lado, é bom lembrar que também não estão pacificadas as indagações sobre qual tipo de contas públicas estariam no elenco – eventualmente atingido por esse dispositivo. Seria a rejeição de qualquer tipo de prestação de contas públicas? Até mesmo uma prestação de contas de viagem ou um convênio qualquer? É bom lembrar que parte das contas públicas são julgadas pelos TCs e parte pelos Legislativos (estadual, federal e municipal). Também não se sabe ao certo o conceito de irregularidade insanável, até porque existem crimes que podem ser patrimonialmente sanáveis, via ressarcimento (peculato, por exemplo). Mas e o aspecto moral? O fato é que nem a Justiça Eleitoral, nem os tribunais de contas possuem legislação, ou jurisprudência, que possa pacificar tais questões. Pelo menos até o presente momento.

Enfim, a discussão referente a qual média a ser adotada, para se calcularem os gastos com publicidade no ano das eleições, é inócua. A lei estabelece duas alternativas. Uma delas deve ser adotada – e não uma terceira. Donde conclui-se que será legal o gasto com publicidade que esteja amparado na média dos três anos ou no limite de gastos do ano anterior às eleições. Qualquer outra alternativa que fuja a estas duas mencionadas será ilegal. Nada mais simples. A resolução do TSE indicando a menor média é claramente inconstitucional, conforme pudemos ver alhures, até por questão lógica. 

Quanto à forma de se calcular, nenhum doutrinador atreveu-se a propor qualquer solução. Tampouco a jurisprudência avançou: decidiu com base exclusiva nos dados fornecidos pelo Tribunal de Contas, dados estes registrados pelo próprio requerido, quando de sua prestação de contas. Isto porque trata-se de matéria de Contabilidade Pública e não de Direito Eleitoral. Nesta medida, uma boa forma para se apurarem os gastos com publicidade encontra-se no acompanhamento da execução orçamentária, pela via dos relatórios de gestão fiscal, e na avaliação do registro dos empenhos destinados a cobrir tais gastos, após liquidados – observando-se se tais empenhos foram ou não cancelados em virtude do que preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou seja, empenhando-se e liquidando-se a despesa com publicidade, e não se cancelando o empenho ao fim do exercício fiscal, pode-se perfeitamente registrar os dados e proceder aos cálculos. 

Quanto à sua apuração, em sede de impugnação de mandato eletivo, por exemplo, há que se denunciarem ao Tribunal de Contas os eventuais gastos com publicidade realizados a maior, quais sejam, superiores a um dos limites estabelecidos em lei. Somente este órgão, e somente no ano seguinte ao das eleições, poderá determinar com rigor se o dispositivo aqui tratado foi de algum modo desobedecido.

Considerando, enfim, a celeridade processual da justiça brasileira, tanto nos tribunais de contas quanto nos tribunais eleitorais, é de se supor que dificilmente qualquer gestor público perderá seu mandato em virtude do descumprimento do inc. VII, art. 73, da Lei n. 9504/97. O que vimos, até aqui, resultou apenas em multas. Pelo contrário, provavelmente o gestor públilco concluirá seu mandato antes de qualquer decisão transitada em julgado (é bom lembrar que a matéria possui conteúdo constitucional e está, por suposto, sujeita à apreciação, até mesmo, do Supremo Tribunal Federal, igualmente lento). Talvez, ao final da ação, o eventual infrator já esteja há tempos falecido, quando de seu definitivo e indiscutível trânsito em julgado.
É o parecer.

Marco Antônio Andere Teixeira é advogado. Historiador. Cientista político. Professor universitário.

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