sexta-feira, 30 de abril de 2010

DA INCOSTITUCIONALIDADE DA ABSTENÇÃO DO VOTO PARLAMENTAR

Vander Lúcio Gomes Penha
Advogado-Pós Graduado em Direito Público
Técnico Legislativo


No ano de 2009, participando do Congresso Nacional da ABRASCAM, Associação Brasileira de Servidores de Câmaras Municipais, ouvia atentamente a palestra do Professor André Barbi, quando num dado momento o nobre palestrante abordou uma questão que chamou minha atenção, dizendo que a seu ver, a possibilidade da abstenção do voto, por parte dos parlamentares, prevista em muitos regimentos internos, de várias casas legislativas seria inconstitucional. Tal assertiva mereceu minha análise, primeiro porque, de imediato, também comunguei com aquela tese, segundo, porque seria um tema ainda pouco explorado no ambiente legislativo.

A abstenção é a possibilidade regimental que o parlamentar pode invocar quando não deseja emitir sua posição com relação à uma determinada votação, geralmente com relação à projetos de leis, ou seja, deixa de votar, não diz que sim nem que não, não é contra nem a favor. É como se naquele pequeno lapso temporal necessário para emissão do voto, o parlamentar não existisse.

Outra implicação que advém do uso da abstenção é com relação ao quorum. Quando ocorrer a abstenção do voto, o “quorum” legal será determinado com a exclusão daqueles que fizeram esta opção. É feita uma recontagem, excluindo da casa legislativa o número daqueles que optaram pela abstenção.

Hely Lopes de Meirelles em sua monumental obra “Direito Administrativo Brasileiro”, trata pioneiramente sobre o “Poder Dever” de agir das autoridades públicas, segundo o grande tratadista:

“O poder-dever de agir da autoridade pública é hoje reconhecido pacificamente pela jurisprudência e pela doutrina. O poder tem para o agente público o significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está sempre na obrigação de exercitá-lo.”

A esse respeito Celso Antônio Bandeira de Mello, faz pequeno reparo, no sentido de que a expressão mais correta a ser utilizada seria Dever-Poder, mas o sentido final dessa asserção, também redunda na impossibilidade do agente político deixar de cumprir com seus deveres, em virtude do poder que lhe foi outorgado, o qual é irrenunciável.

O fato é que, o parlamentar, seja Vereador, Deputado ou Senador, recebe do povo, o qual passa a representar, o “Poder” de legislar e fiscalizar as ações do governo em seu nome. Nesse sentido não pode abrir mão de suas funções, não pode ser omisso, deixando de exercitar as atribuições inerentes ao cargo de agente político.

Nossa Constituição Federal prescreve em seu art. 44:

O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal.

E no art. 48, estabelece como atribuição do Poder Legislativo, dispor sobre todas as matérias de sua competência.

Portanto, como estamos falando em abstenção e ela ocorre durante o processo legislativo, ou seja, quando do exercício da função de legislar, notamos claramente que tal expediente abre um parênteses na atuação parlamentar, um vácuo, permitindo que o parlamentar num momento específico abra mão de seu poder, deixe de cumprir com sua atribuição constitucional de legislar, abandonando o Poder-Dever de agir, simplesmente deixando de votar, embasado num dispositivo inconstitucional do regimento interno de sua casa.

A título de exemplo podemos citar o Regimento Interno da Câmara Municipal de Divinópolis, que infelizmente também prevê a possibilidade de abstenção, mas que contraditoriamente estabelece:

Art. 42. São deveres do Vereador:

II - aceitar trabalho relativo ao desempenho do mandato;

Trata o dispositivo acima de exigir do parlamentar o exercício das atribuições que lhe são inerentes, as quais ele não pode se recusar a desempenhar. Se é pacífico o fato de que os parlamentares não podem se negar a participar de reuniões, não podem recusar a nomeação para comissões especiais ou permanentes, não podem deixar de emitir os pareceres que lhe competem, por consentâneo, não poderia lhe ser dada a oportunidade de deixar de votar, pois o voto é a expressão da democracia colocada em suas mãos quando da apreciação de proposições de interesse público.

Durante a tramitação de um projeto, existe um conjunto de procedimentos, a ser observado, durante o qual o parlamentar pode tomar conhecimento da matéria, apresentar emendas, sanar quaisquer dúvidas existentes, mesmo assim, ainda poderá pedir o adiamento da discussão da matéria, por um prazo determinado, quando a mesma constar na ordem do dia e o legislador ainda não tiver a devida segurança para votar, não se justificando em momento algum a abstenção do voto.

Assim, fica claro o caráter inconstitucional e antidemocrático do expediente regimental chamado “abstenção”, o que deve ser banido dos regimentos internos das casas legislativas de nosso país, em níveis municipal, estadual e federal, pois o mínimo que se pode esperar de um agente político eleito pelo voto popular é adoção de uma postura e um posicionamento efetivo durante a apreciação das matérias, votando contra ou a favor, mas votando.



Referências:



MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 35ª Ed. Malheiros, p. 107.

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