terça-feira, 8 de março de 2011

Implicações da doutrina da capacidade judiciária do Poder Legislativo

A articulação entre a simetria interpoderes e a eficácia dos direitos fundamentais já estava esboçada na primeira Constituição do Brasil:

a Divisão e harmonia dos Poderes Politicos é o principio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias, que a Constituição offerece. (Brasil, 1824.).

Assim, a adequada interação entre os Poderes Políticos enunciados no artigo 2º da atual Constituição configura garantia das garantias dos direitos fundamentais, pois o Estado Democrático de Direito é tributário do pleno funcionamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

A otimização da eficácia dos direitos fundamentais exige que se compreendam melhor as antinomias internas ao próprio Estado. Em vez de uma relação conformadora de direitos bipolar, é de se vislumbrar uma relação tripolar ou tricotômica, Estado/Governo/sociedade, e de se considerarem as clivagens políticas internas ao Estado e ao Governo.

O Parlamento precisa estar dotado de instrumentos que reduzam os riscos de que as incursões do Executivo e do Judiciário em seus procedimentos internos acabem por obliterar seu legítimo papel constitucional.

O presidencialismo de coalizão que vem se estabelecendo no Brasil (Santos, 2006). A formação de maiorias em função da governabilidade é um procedimento legítimo, mas o Parlamento tem funções que, decididamente, ultrapassam as de governo. Por isso, precisa estar imune à cooptação.

É sempre real o risco de captura do Congresso Nacional pelo Poder Executivo por meio de práticas distributivistas, como parece demonstrar Barry Ames (2003). O entorpecimento do Poder Legislativo, como temos insistido, é um grave risco ao Estado Democrático de Direito e à eficácia dos direitos fundamentais.
O fato, porém, é que Poder Executivo imperial, de que fala Abranches (1988), marca a organização dos Poderes no País desde os tempos da Independência. É de se ver que o inciso V do artigo 101 da Constituição de 1824 chegava a autorizar a dissolução da Câmara dos Deputados pelo imperador.

Como resposta a essa hipertrofia inercial do Governo e à circunstancial timidez do Parlamento, o Poder Judiciário tornou-se mais ativo, ora freando os impulsos do Executivo ora compelindo-o a implementar ou a ampliar políticas públicas já aprovadas pelo Legislador, ora transpondo o Poder Legislativo, regulamentando diretamente normas de eficácia limitada.

Esse ativismo, que é denominado na literatura internacional como judicialização da política (Tate e Valinder, 1995), condensa-se na jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, que aumentou o grau de sindicabilidade judicial do processo legislativo. Lembram esses dois autores que

muitos políticos e estudiosos têm visto com desconfiança o processo que substitui o julgamento político de instituições políticas majoritárias pelo de representantes normalmente não-eleitos da elite política e socioeconômica. (Idem, p. 5.).

A ampliação do contraditório para formação de consensos mais firmes em sede judicial, além de estar em linha com a modernas teorias dos Direitos Fundamentais, conforma-se, com o programa teórico de Jürgen Habermas, que concebe o desenvolvimento da democracia a partir estruturação de práticas argumentativas (2002).

A judicialização da política por meio de uma interpretação heterodoxa da eficácia direta dos direitos fundamentais pode tornar Parlamento um mero executor de decisões judiciais, como adverte José Carlos Vieira de Andrade (1976, p. 307-309).

Ademais, sempre que houver conflito em torno da legitimidade ad causam, deve operar o princípio da predominância de interesses, de que decorre que a competência deve ser atribuída ao órgão que, predominantemente, tiver interesse na matéria. Portanto, se a questão tiver relação com o processo legislativo, a representação deve ser atribuída, desde logo, à Advocacia do Senado Federal.

À guisa de conclusão, pode-se sintetizar todo o exposto nos seguintes tópicos:

a) os órgãos despersonalizados têm capacidade processual para promover a tutela jurisdicional de suas prerrogativas, com fundamento nos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da ampla defesa; logo, os órgãos legislativos gozam de capacidade processual para promover a tutela de suas prerrogativas institucionais;

b) o princípio da separação de poderes está teleologicamente intrincado com a promoção dos direitos fundamentais e com a operatividade do princípio democrático;

c) o Senado Federal tem interesses jurídicos específicos e competência a preservar, especialmente em um contexto de judicialização da política e de expansão do Governo em detrimento do Estado, que justifica a institucionalização de uma advocacia legislativa própria para aniquilar ou reduzir a assimetria informacional em matéria jurídica vis-à-vis o Poder Executivo;

d) a verificação judicial preliminar dos pressupostos e das condições da ação em que o Senado Federal reivindique a condição de parte interfere com a independência e o livre funcionamento do Poder Legislativo. Portanto, à luz dos princípios da independência e da separação dos poderes e os da inafastabilidade da jurisdição e da ampla defesa, o Senado Federal pode-se fazer representar em juízo por sua Advocacia sempre que lhe aprouver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário