quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Tatiana de Oliveira Takeda

é advogada, assessora do TCE/GO,

professora do curso de Direito da UCG, pós-graduada

em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em

Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento

No que toca à natureza jurídica dos Tribunais de Contas e como já prelecionava a jurista Hilda Regina Silveira Albandes de Souza ("Poder Legislativo e Tribunal de Contas: natureza de suas relações", Gênesis: Revista de Direito Administrativo Aplicado, a. 3, nº 11, p. 1003-1012), existe uma polêmica que, embora demasiadamente discutida desde a época do jurisconsulto Rui Barbosa, ainda não foi pacificada na doutrina e na jurisprudência.

A Constituição Federal dispõe sobre as Cortes de Contas em capítulo conferido ao Poder Legislativo, especificamente na seção voltada para a normatização referente à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, positivando no artigo 71 que "o controle externo de competência do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas".
Pois bem. Diante o dipositivo em comento torna-se plausível o questionamento a respeito da natureza dos Tribunais de Contas, haja vista que nele paira dúvidas sobre como devem ser considerados em termos institucionais e, igualmente, sobre a sua inserção entre os três poderes.
Há uma indepedência taxativa entre Executivo e Cortes de Contas, razão pela qual o jurista Carlos Roberto Siqueira Castro ("A atuação do Tribunal de Contas em face da separação de Poderes do Estado", Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 8, nº 31, p. 57-73), asseverou que existe a necessidade de se "permitir o pleno exercício da função fiscalizatória em face da administração da receita e da despesa pública, que são exercidas pelos três Poderes da República". Adiante acrescenta que "é da incumbência insubtraível do Tribunal de Contas fiscalizar o Executivo, o Judiciário e o próprio Legislativo, de cuja estrutura é integrante".
Os pretórios em comento também não integram o Judiciário. A própria CF/88 dispõe no § 3º, do artigo 73, sobre previsão de concessão, aos membros dos Tribunais de Contas, das garantias, prerrogativas e impedimentos dos integrantes do Poder Judiciário. Além disso, num contexto global, existem os doutrinadores que, influenciados pela doutrina européia referente ao contencioso administrativo que vislumbra uma justiça administrativa como ordem judiciária, específica e autônoma em relação à justiça comum (cível e penal), assim como ao Poder Executivo, defendem a inserção das Cortes de Contas no Poder Judiciário.
Com relação ao sistema contencioso administrativo, os órgãos em comento são de fato tribunais, consubstanciando-se em uma das justiças administrativas especializadas. Nas nações em que se adota tal sistema, os Tribunais de Contas são verdadeiramente uma jurisdição, pois integram o poder jurisdicional, que se divide em duas ordens judicantes, de um lado, a administrativa; de outro, a civil e a penal.
Outrossim, inexiste contencioso administrativo no Brasil, posto que fora abolido do respectivo ordenamento jurídico desde os primórdios da República, o que torna inaceitável que os Tribunais de Contas pátrios sejam considerados jurisdição administrativa.
Também ressalte-se que parte da doutrina brasileira entende que tais tribunais, muito embora não estejam incluídos no Poder Judiciário, também exercem funções jurisdicionais.
Como não estão inclusos nos Poderes Executivo e Judiciário, resta apenas verificar se as Cortes de Contas inserem-se no âmbito do Poder Legislativo. Veja-se que a expressão "com o auxílio do Tribunal de Contas", constante no mencionado artigo 71 da CF/88, é objeto de controvérsias no tocante ao vínculo entre esse órgão e o Poder Legislativo.

Existe corrente doutrinária que considera os Tribunais de Contas subordinados hierarquicamente ao Poder Legislativo, em razão de sua posição de auxiliar. No entanto, como comunga o Ministro do STF, Carlos Ayres Brito ("O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas", Revista Diálogo Jurídico, v. I, nº 9), os julgamentos legislativos se dão por um critério dotado de discricionariedade para avaliar fatos e pessoas, ao passo que as decisões emanadas do pretório em comento só podem obedecer parâmetros de ordem técnico-jurídica, isto é, parâmetros de subsunção de fatos e pessoas à objetividade das normas constitucionais legais.

Diante tais relatos, cabe salientar que a CF/88, em nenhum momento, trás em seu bojo o termo "órgão auxiliar", sendo que apenas dispõe que o controle externo do Legislativo será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas, o qual tem como função o exercício do controle financeiro e orçamentário em colaboração com o poder responsável, em última instância, por essa fiscalização. Desta forma, foi gerada uma confusão entre função e natureza do órgão.
Os Tribunais de Contas elaboram o seu próprio Regimento Interno e têm plena autonomia administrativa e financeira, gerindo e decidindo as questões da sua economia interna, inclusive com relação a pessoal. Ademais, têm a faculdade de propor a iniciativa de lei, em especial sobre essas questões da sua administração, a teor do que prescreve o caput do art. 73, da CF/88.
Firme-se que os juristas José Cretella Júnior ("Natureza das decisões do Tribunal de Contas", RT, a. 77, v. 631, p. 14-23), e Hely Lopes Meirelles ("Direito Administrativo Brasileiro", Malheiros, 25ª ed., p. 702), classificam os Tribunais de Contas como "órgãos administrativos independentes". Ainda, para Odete Medauar ("Controle da administração pública", RT, p. 141), a qualificação "administrativo" não deve ser empregada, devido à possibilidade de imediata associação ao Poder Executivo, considerando a expressão "instituições estatais independentes" mais adequada à natureza que tais órgãos detêm no ordenamento pátrio.
Ademais, numa tentativa de evitar qualquer tipo de dúvida, Jarbas Maranhão ("Tribunal de Contas: Natureza jurídica e posição entre os poderes", Revista de Informação Legislativa, a. 27, nº. 106, p. 99-102), sabiamente ensina que: "o Tribunal de Contas é um órgão independente, em relação aos três Poderes, mas de relevante contribuição, auxiliando-os no desempenho de suas atividades de governo, ou em suas específicas atribuições constitucionais e legais. (...) O Tribunal é órgão que, funcionalmente, auxilia os três Poderes, porém, sem subordinação hierárquica ou administrativa a quaisquer deles. O contrário seria confundir e negar a sua natureza e destinação de órgão autônomo. (...) São os Tribunais de Contas, assim, órgãos situados entre os Poderes e de cooperação funcional com eles, impondo-se, todavia, que mantenham independência como órgão e função" (g.n.).
Em outra obra ("Tribunal de Contas: Jurisdição Peculiar", Revista do TCE/PE, nº 13, p. 86-88), o mesmo jurista relaciona a atuação dos referidos órgãos de controle ante cada um dos poderes estatais: "Em relação ao Poder Executivo a função do Tribunal de Contas é de controle e revisão. (...) Relativamente ao Poder Legislativo que, além de legislar, tem amplo poder de fiscalização, o Tribunal de Contas coopera tecnicamente na realização do Controle Externo. Quanto ao Poder Judiciário tem com ele similitudes. Como órgão tem composição não idêntica, mas semelhante. Os ministros e conselheiros do Tribunal de Contas têm os mesmos direitos, garantias e impedimentos dos Magistrados do Poder Judiciário".
Assim, também amparado no entendimento do professorAlexandre de Moraes que afirma que "o Tribunal de Contas é órgão auxiliar e de orientação do Poder Legislativo, embora a ele não subordinado, praticando atos de natureza administrativa, concernentes, basicamente, à fiscalização". ("Direito Constitucional", 10ª ed., Atlas, p. 391), pode-se afirmar que aqueles têm a natureza de órgãos constitucionais dotados de autonomia administrativa e financeira sem qualquer relação de subordinação com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tendo em vista que eles agem ora em colaboração com o Poder Legislativo, ora no exercício de competências próprias.

Fonte: www.jurisway.org.br

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