quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O STF e a normatização da repercussão geral no recurso extraordinário. O que é repercussão geral?


O § 3º do art. 102 da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, assim dispõe:

"Art. 102 (...) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros."

Regulamentando o dispositivo constitucional, a Lei nº 11.418, de 19 de dezembro de 2006, acrescentou os arts. 543-A e 543-B ao CPC, determinando ainda no art. 3º que caberá ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) estabelecer as normas necessárias à sua execução.

O que é repercussão geral?

Os §§ 1º e 3º do art. 543-A definem que o recurso extraordinário oferece repercussão geral em duas situações:

- se existem questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa; ou

- se o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 e a Lei nº 11.418/2006 têm por objetivo fazer com que somente seja apreciado o recurso extraordinário que versar a respeito de questão relevante, que transcenda o interesse meramente individual das partes em litígio. No caso da existência de decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do STF, a repercussão geral é presumida.

Há manifestação na doutrina identificando a repercussão geral com a transcendência, no sentido de que "a repercussão geral traduz a importância metaindividual da matéria".

Mas há também opinião no sentido de que repercussão geral seria a conjugação de relevância e transcendência. Assim, questão deve ser relevante sob ponto de vista econômico, político, social ou jurídico (relevância), assim como deve ultrapassar os interesses subjetivos da causa (transcendência). Embora não esteja expresso, isso parece defluir da definição estabelecida no § 1º do art. 543-A do CPC:

"Art. 543-A (...) § 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa."

Somados esses entendimentos, pode-se também entender que questão relevante, sob qualquer dos pontos de vista mencionados, é aquela que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Assim, as noções de "relevância" e de "transcendência" estariam intimamente ligadas, não sendo possível falar em questão relevante que não seja transcendente e vice-versa.

Seja como for, o art. 543-A do CPC não define o que seria questão relevante "do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico" (aludida relevância), tampouco quais características são necessárias para configuração de questões "que ultrapassem os interesses subjetivos da causa" (aludida transcendência).

Somente a jurisprudência do STF poderá responder a essas questões. Por ora, o que podem fazer os juristas são apenas exercícios de uma suposta lógica jurídica, dizendo qual interpretação julgam "correta", ao mesmo tempo em que tentam vislumbrar qual será a interpretação que prevalecerá ou mesmo pretensiosamente contribuir para essa interpretação.

Assim, o que pode ser considerado transcendência?

Dizer que devemos entender por transcendência a característica da questão que terá o condão de atingir, direta ou indiretamente, um grande número de pessoas não ajuda na definição do instituto. Parece claro que são transcendentes, com bem diz o § 1º acima transcrito, as questões que "ultrapassem os interesses subjetivos da causa". Mas o que significa isso exatamente?

Parece óbvio que a exigência de que o recurso deve "ultrapassar os interesses subjetivos da causa" (transcendência), não significa que a decisão prolatada em ação individual deverá atingir terceiros, em uma tresloucada extensão dos limites subjetivos da coisa julgada.

É razoável imaginar que transcendência significa ou que o recurso deve ser capaz de gerar um precedente (leading case), que irá nortear a interpretação e aplicação do direito constitucional em casos futuros, ou que se refere a direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos.

Nesse sentido, há manifestação da doutrina no seguinte sentido:

"A transcendência da controvérsia constitucional levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pode ser caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como quantitativa. Na primeira, sobreleva para individualização da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e desenvolvimento do direito; na segunda, o número de pessoas susceptíveis de alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo Supremo e, bem assim, a natureza do direito posto em causa (notadamente, coletivo ou difuso)."

E há opinião defendendo que poderá existir repercussão geral mesmo em ações individuais, com questões provavelmente não ocorrerão em outros processos:

"Numa perspectiva vertical, cumpre reconhecer que também quando estiver em jogo o direito de uma só pessoa, em situação aparentemente irrepetível, deverá ser reconhecida a repercussão geral, desde que se trate de direito fundamental, aí incluídos, como se sabe, os direitos e garantias individuais e os direitos sociais, com ênfase na tutela do mínimo existencial."

Seja como for, parece claro que não se pode restringir o significado de repercussão geral apenas aos chamados "processos repetidos", que o art. 543-B do CPC alude ao se referir à "multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia", que enseja um procedimento especial de análise de recursos representativos e sobrestamento dos demais. Caso o alcance fosse apenas esse, o procedimento do art. 543-B não seria um procedimento específico para tais recursos, mas sim a regra única de processamento e julgamento do recurso extraordinário.

E o que pode vir a ser considerado questão relevante, do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico?

Se o deslinde da questão transcendente for importante para o desenvolvimento e unificação da interpretação da matéria constitucional, de modo a contribuir para a sistematização do direito constitucional, ficará caracterizada a relevância da questão sob o aspecto jurídico.

Mas a questão pode ser transcendente sem influenciar a interpretação ou sistematização do direito. Imagine-se, por exemplo, um recurso extraordinário em um processo envolvendo um ente público ou mesmo uma entidade de direito privada prestadora de serviços assistenciais, ou mesmo uma empresa pública ou privada, com muitos empregados, com muitos contratos com fornecedores, clientes etc. Se a questão em litígio envolver valores muito elevados, é evidente que a questão é relevante sob o aspecto econômico, assim como é transcendente por atingir um grande número de pessoas, que sustentam o ente público mediante pagamento de tributos, que dependem dos serviços prestados pelo pela entidade assistencial ou que dependem dos empregos ou contratos mantido com a empresa pública ou privada. A questão poderá ser transcendente e relevante sob o aspecto econômico, de modo que o recurso extraordinário oferecerá repercussão geral.

O mesmo se diga quando a questão, também sem influenciar na interpretação do direito, é relevante sob o aspecto social. Tomemos novamente o exemplo de uma entidade de assistência social, de uma escola ou de um hospital com ou sem fins lucrativos. Caso demonstrado que a ação influenciará na prestação dos serviços para um grande número de pessoas, estará caracterizada a transcendência. Se essa influência alterar de forma significativa a prestação dos mencionados serviços, a questão objeto do recurso será relevante sob o aspecto social.

Por fim, a questão pode ser relevante sob o aspecto político. Mas nem toda questão envolvendo política é relevante. Serão relevantes, por exemplo, questões envolvendo definição judicial em matéria eleitoral relativa a validade de pleitos eleitorais relativos a investidura de membros de poderes e em cargos importantes da República. A transcendência nesses casos parece óbvia, já que a definição de quem serão os membros e ocupantes de cargos importantes dos poderes da República atinge toda a população.

Mas nada disso se presume: deve ser demonstrado que a decisão do processo judicial irá influenciar a vida de muitas pessoas (transcendência), em razão da contribuição para a sistematização do direito (relevância jurídica), magnitude dos valores envolvidos (relevância econômica), influência na prestação de serviços sociais (relevância social) ou da definição de quem deve ser os membros ou ocupar cargos importantes da República (relevância política).

Muitas vezes a questão será relevante em mais de um aspecto. Por exemplo, poderá a decisão de uma relevante questão política influenciar na sistematização do direito constitucional. Nesse caso, a questão será relevante sob o ponto de vista político e sob o ponto de vista jurídico. Mas a norma não exige tanto: basta que a relevância da questão exista sob um dos aspectos tratados para que, somada à transcendência, fique caracterizada a repercussão geral.

Seja como for, novamente nos encontramos em um exercício de suposta lógica jurídica, tentando ou de uma forma pretensiosa contribuir ou apenas vislumbrar o que o STF irá definir!

Nesse sentido, a respeito da tentativa de definição do que seria repercussão geral, merece destaque a lúcida manifestação doutrinária:

"O que se passa com tal noção é que ela deve ser objeto de decantação permanente, de que resultará, com o tempo, mosaico rico e variegado de matizes."

Portanto, a definição do que seja repercussão geral e as respostas a todas indagações acima formuladas somente podem ser dadas, ao longo do tempo, pela jurisprudência do STF: Direito é o que o Tribunal diz que é Direito.


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